Tomateiro do diabo
A planta das fotos trouxe-nos à lembrança um curto filme de animação que vimos há uns anos. O enredo é uma alegoria sobre a criação: duas nuvens têm a tarefa de gerar, moldando com mãos de nuvem pedaços da própria nuvem, as crias dos animais da Terra. Um par de cegonhas encarrega-se depois de fazer a entrega, sem engano, dos filhotes às respectivas mães. Uma das nuvens, habilidosa e maternal, faz amorosos bebés de gato, tigre, leão, urso e de outros tantos bichinhos fofos, aformoseando orelhas e patinhas com óbvio talento de design. A outra, rabugenta e um pouco estouvada mas artesã igualmente ágil, fabrica com afinco crias de cobra, jacaré, salamandra, aranha, escorpião, animais que nos amedrontam ou em que não vemos encanto especial nas formas e modos dos recém-nascidos. Naturalmente, a cegonha que colabora com a segunda nuvem não está satisfeita com a sua sorte e tenta mudar de emprego. A nuvem chove de raiva mas lá consegue chegar a um acordo: promete tentar fabricar bichinhos mais adoráveis; e o compromisso cumpre-se com um pequenino ouriço-cacheiro, lindo apesar de espinhoso.
Curiosamente, com as plantas, a nossa afeição tende mais para as já amadurecidas, de preferência a florir, ou para as árvores frondosas. Os rebentos parecem-nos ter, em geral, pouca graça, e há até quem os regue em demasia para ver se crescem mais depressa. Mas, se existissem nuvens-oleiros a gerar as plantas, esta de hoje seria criada por uma das ranzinzas. O aspecto geral é o do género Solanum. Vejam-se as flores: as cinco pétalas roxas unidas quase até ao meio que, quando ainda fechadas, formam um balão, abrem-se como flores-estrela tendo ao centro uma coluna amarela de estames a rodear um estilete. Mas a fisionomia crispada da folhagem e a profusão de espinhos causam uma impressão desagradável que nem os frutos jovens, semelhantes a fabulosas bolas de cristal, ajudam a aliviar.
Trata-se de uma espécie exótica, nativa da África do Sul, Moçambique e Zimbabwe, de que, por cá, só se conhecem registos no litoral sul e sudoeste, e sempre em locais ruderalizados. Talvez seja a espécie a que Lineu chamou Solanum sodomeum, e é conhecida em algumas referências inglesas como apple of Sodom. Na dúvida, foi rebaptizada, homenageando-se Lineu, o seu provável primeiro descritor.