Sandwich, condado de Kent, Inglaterra
Agora a moda parece ter passado, mas há dois ou três anos os escaparates das livrarias enchiam-se de tratados da pequena história. Objectos ou gestos triviais também tiveram uma origem e registaram uma evolução; a tarefa do mini-historiador de curta mas diligente erudição era a de catar, no turbilhão da história humana, as referências, por muito ocasionais e ligeiras que fossem, ao objecto de que se ocupava. Tivemos assim, ou poderíamos ter tido, a História do beijo, a História do pastel de nata e os Gatos que fizeram história. Imperdoavelmente, parece que ainda ninguém se ocupou da História da sanduíche. Foi também para remediar essa lacuna que visitei o lugar onde tudo terá começado: a vila de Sandwich, que fica na costa sudeste de Inglaterra, no condado de Kent, a hora e meia de comboio de Londres.
Há coisas tão inatas à condição humana que parece descabido procurar saber quem as inventou. Exemplos óbvios são a bofetada, o calçado e, claro está, a sanduíche. A ideia de preparar um alimento com duas fatias de pão e qualquer coisa no meio deve ser tão antiga como o pão. Ainda assim, John Montagu (1718-1792), quarto conde de Sandwich, adepto avant la lettre da fast food, deu provas de tamanha predilecção por essa iguaria que acabou por lhe emprestar o nome. E, hoje em dia, há mesmo quem julgue - gente com fraca noção de como evoluiu a humanidade - que foi ele o inventor da sandes. Faz falta um livro sério e fundamentado que ponha os pontos nos is.
A visita a Sandwich foi a primeira etapa da pesquisa. De facto, uma breve vistoria aos estabelecimentos locais de comes e bebes - não mais que meia-dúzia, entre pubs e salões de chá - revelou que todos eles incluem a especialidade local (a sanduíche) na ementa. Isso é sem dúvida denunciador de uma conexão histórica, ainda que idêntico fenómeno se observe em todas as cidades e vilas inglesas. E mostra como os indígenas, com uma capacidade de encaixe admirável, ainda toleram, decorridos dois séculos e meio, a graçola de alguém pedir uma sanduíche em Sandwich. Talvez ela não seja má para o negócio.
Rio Stour & Sandwich Bay
Ao contrário da sanduíche que me serviu de almoço, a informação recolhida in loco é de digestão demorada. Por isso deixo em suspenso a questão da génese da sanduíche e falo um pouco da vila. Sandwich é atravessada pelo rio Stour, que vemos em cima acompanhado por uma galeria de salgueiros e de choupos-brancos. Foi um porto importante em tempos medievais, mas nos últimos séculos, num movimento inverso ao que se deu no nordeste de Inglaterra, a linha da costa recuou várias centenas de metros. A vila está hoje muito distante da foz do Stour, que executa várias curvas caprichosas antes de se lançar no mar.
Junto à costa, em Sandwich Bay, estendem-se vastos campos de golfe e uma zona residencial de acesso restrito. Quem não for morador só pode passar de automóvel se pagar uma portagem de seis libras. Se se deslocar a pé ou de bicicleta não paga nada, mas também não encontra, junto à praia (que é de seixos e não de areia), qualquer estabelecimento aberto ao público. A rejeição do turismo de qualquer tipo não poderia ser mais óbvia: trata-se de um enclave de privilegiados, e os visitantes não são bem-vindos.
Talvez por isso mesmo, Sandwich Bay guarda, nas margens dos campos de golfe e ao longo da estrada costeira, várias espécies de flora, incluindo orquídeas, que vão rareando no resto da Grã-Bretanha. A primeira semana de Maio não era ainda a altura para observar a maioria dessas preciosidades, mas valeu a pena ver como o mar não se enrolava na areia à margem da estrada deserta.