04/05/2010

À solta em Coimbra

Epipactis tremolsii subsp. lusitanica (Tyteca) Kreutz


Aqui está uma das orquídeas que, sendo generosa no néctar que serve aos seus polinizadores, lhe junta uns pós de fermento, alcoolizando-o. As abelhas ébrias, embora esfreguem atordoadas a cabeça, não conseguem remover os saquinhos de pólen e, viciadas, não abandonam de imediato a colónia de orquídeas, persistindo nas visitas às flores — o que naturalmente aumenta a taxa de sucesso da polinização.

O género Epipactis é essencialmente euro-asiático, mais frequente em bosques de zonas temperadas porque estas plantas beneficiam da cooperação com fungos parceiros de árvores, mesmo quando já adultas. Há registo de 59 espécies europeias, uma americana (E. gigantea Douglas ex Hooker) e uma africana (E. africana Rendle), com diferenças marcadas conforme o habitat. Estas têm-se acentuado pelo frequente recurso à auto-polinização, que pode acontecer mesmo antes da flor desabotoar. É morfologicamente próximo do género Cephalantera, e crê-se que há dois híbridos entre ambos.

Pudemos fotografar estes pés porque um leitor gentil nos informou da sua presença num bosquete privado em Coimbra. Nas fotos das flores em detalhe distinguem-se as três sépalas e duas pétalas; o chapéu amarelo das anteras com dois sacos de pólen de lado e uma bolinha branca de visco onde a cabecinha do insecto deve roçar antes de receber o pólen; o estigma, que é a gelatina esbranquiçada na frente da flor (numa das fotos está lá uma formiga aprisionada), pegajosa quando receptiva e que muda para a cor castanha quando completada a polinização; e o pecíolo que liga a flor à haste cuja parte mais larga contém o ovário. O néctar está na taça escura.

Segundo Anne e Simon Harrap (em Orchids of Britain & Ireland, A&C Black, 2009), a designação Epipactis remonta a Theophrastus (c. 370-285 a.C.), que a utilizou numa planta (do género Veratrum) que ajuda a coalhar o leite. A semelhança das inflorescências e, sobretudo, das folhas venadas com as destas orquídeas levou o botânico alemão Johann Zinn a adoptar o mesmo nome. O epíteto específico homenageia Federico Tremols i Borrell (1831-1900), farmacêutico e botânico catalão que organizou um vasto herbário da flora catalã e publicou, em 1881, um estudo sobre estirpes americanas de videira resistentes à filoxera que poderiam ajudar no repovoamento dos vinhedos ibéricos dizimados pela doença.

A orquídea das fotos parece-nos ser a Epipactis tremolsii subsp. lusitanica, que já se chamou E. lusitanica. A forma típica da espécie (E. tremolsii sem mais) é muito semelhante a esta e tem em Portugal quase a mesma distribuição — a qual, embora esparsa, vai de Trás-os-Montes ao Algarve. A ex-E. lusitanica, contudo, tem as folhas menos ovadas e menos concentradas na base do caule, e o cacho de flores é menos denso.

Esperamos encontrar, até ao Verão, na mata da Margaraça, a Epipactis fageticola e, quem sabe, ver um dia a Epipactis palustris, que tem das flores mais atraentes do género.

4 comentários :

Luz disse...

São todas tão parecidas e todas tão bonitas!
Luz

Angélica Alves disse...

Neste último fim-de-semana, no belo orquidário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, aqui no Brasil, os orquidófilos do OrquidaRIO realizaram uma rica exposição de orquídeas de todas as delicadíssimas formas e mimosas cores, mas não só, também promoveram palestras, atividades infantis, workshop de ilustração botânica, oficinas de cultivo, curso de inicialização à orquidofilia e venda de mudas e flores para o deleite de centenas de cariocas e dos demais visitantes do Jardim, neste agradável outono a não esquecer.

Passei lá meu dia com árvores, uma manhã de domingo verde e amarelo por demais, entre flores, pessoas felizes, e muito sol. Escolhi, na feirinha, uma miniorquídea lilás para crescer formosa em meu jardim improvisado na sala de estar e ainda a exibi, no http://prosacarioca.blogspot.com.

Adoro orquídeas.Pode haver fragilidade mais encantadora, generosa e luminosa?

Soube que a primeira associação de orquidófilos do Brasil surgiu, em nosso estado, em 1937, com o nome de "Sociedade Fluminense de Orquídeas", ganhando, anos mais tarde, outras denominações. A história da associação pode ser lida no site www.orquidario.org

O estado do Rio de Janeiro é riquíssimo em orquídeas, cada espécie mais graciosa do que outra.Leio que, em estudo recente realizado no estado do RJ, na Serra dos Órgãos, em área correspondente a apenas 1% do território nacional, foram catalogadas 620 espécies de orquídeas. Pois!

A Epipactis tremolsii subsp. lusitanica é mesmo muito linda, como lindos, lindíssimos são os bosques e bosquetes de Coimbra e os jardins, campos e florestas do vosso extraordinário país.

Espero um dia encontrar nas terras saudosas e únicas de Trás-os-Montes ao Algarve esta singular e atraente espécie lusitanica, se calhar, como vós, já no próximo luminoso Verão.

O meu carinho e admiração por este belíssimo sítio, tão imprescindível hoje, mais do que nunca, e sempre.

O abraço amigo da seguidora carioca tagarela por demais, contudo grata e fiel
Angélica

Rúben Boas disse...

Gostei que tivessem vindo. :) As fotos estão mto boas! Na altura ainda não estavam a florir, mas agora apareceram outras orquídeas. Acho que são Ophrys qq coisa, pois têm aquela pétala inferior muito colorida.

Maria Carvalho disse...

Se alguma orquídea fosse feia, poderíamos serenar este fascínio. Assim... Temos de voltar ao bosque precioso de Coimbra antes que o fechem a sete chaves. E revisitar a Serra dos Orgãos, onde estive uma vez mas só reparei nas pedras.