Flora endémica do Porto Santo: Saxifraga portosanctana
Sabíamos que este endemismo de Porto Santo vive apenas em fissuras de escarpas rochosas nos picos mais altos da ilha. Planeámos começar por procurá-lo no Pico do Facho, o mais alto mas também um dos mais difíceis de escalar. Quase no topo, num nicho sombrio, surgiu a primeira população, com muitos indivíduos prontos a florir mas sem uma única flor aberta. Além disso, a rocha estava longe de mais para que alguma fotografia pudesse revelar os pormenores das folhas. Descemos desiludidos, a pensar que teríamos de repetir o esforço, sem a certeza de virmos a obter boas fotos nos poucos dias que nos restavam de visita à ilha. Contornámos então a base da escarpa, onde um caminho ladeia uma torre de controlo aéreo e há um habitat, protegido por uma plantação de ciprestes (Cupressus macrocarpa), que o nevoeiro e a neblina que vêm do mar raramente abandonam. Depois de detectarmos vários pés da orquídea Gennaria diphylla (já sem flor) e um manto de Sibthorpia peregrina (ainda sem flor), encontrámos um talude não florestado, com muita urze (Erica scoparia subsp. maderincola) e ventania. E ali estavam felizes inúmeros coxins de S. portosanctana em plena floração.
Esta é uma herbácea perene e completamente glabra, com umas poucas glândulas nos pecíolos e pedicelos. As folhas são carnudas e flabeladas, de base acunheada, geralmente com três lobos, de cor verde intenso, por vezes com tonalidades avermelhadas. As flores reúnem-se em cimeiras axilares e as pétalas brancas são longas e estreitas, maiores do que as sépalas. Conhecem-se umas seis populações na ilha, todas potencialmente sujeitas a alguns riscos graves: a erosão das rochas e o deslizamento de terras; a recolha de espécimes por coleccionadores ou colectores; a competição com espécies exóticas invasoras.
Num artigo de 1987 intitulado The genus Saxifraga L. in the Madeiran Archipelago, publicado na revista Bocagiana do Museu Municipal do Funchal, os botânicos D.A. Webb e J.R. Press compararam as saxifragas endémicas do arquipélago da Madeira, reafirmando o carácter específico da S. portosanctana (que tinha sido descrita em 1856 por Pierre Edmond Boissier) essencialmente pelo seu aspecto glabro e por ter inflorescências axilares. Comentam ainda que, apesar de ser nativa de paragens tão a sul, se mostrou muito resistente em Dublin, para onde foi levada e cultivada fora de estufa, tendo suportado temperaturas negativas. O que, segundo os autores, sugere que descende de uma espécie europeia (uma das que com ela tem maiores afinidades é a cantábrica S. trifurcata). Haverá, decerto, botânicos portugueses interessados em desvendar a genealogia deste endemismo de Porto Santo, desde que não lhes faltem apoios laboratoriais e acesso a testes genéticos decisivos.