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05/08/2025

Barranco de la Garrofa, 2.ª parte



A jusante do viaduto da auto-estrada e de uma outra ponte que vista de perto revela ser um aqueduto (sem água), prosseguimos a exploração botânica das margens do rio de areia. Estamos no barranco de La Garrofa, província de Almeria, a uns 700 metros da linha de costa. É Abril, as temperaturas têm estado amenas, choveu na véspera e voltará a chover nos próximos dias; as plantas aproveitam para cumprir o seu ciclo de vida antes de se recolherem para suportar o estio, que nestas paragens começa cedo. As que hoje mostramos estão bem equipadas para sobreviver às altas temperaturas, seja pela hibernação (perdendo a parte aérea na estação desfavorável), seja sob a forma de sementes (por serem plantas anuais). Todas elas, afinal, têm populações de ambos os lados do Mediterrâneo: é como se fossem plantas africanas que, na Europa, apenas admitam viver no sul da Península Ibérica.

Teucrium pseudochamaepitys L.


Este elegante têucrio de aspecto felpudo, de seu nome Teucrium pseudochamaepytis, tem das flores mais vistosas do seu género. Com folhas peludas e distintamente trifoliadas, é uma planta de porte modesto que, apesar das hastes florais erectas, não vai além dos 40 cm de altura. Vive em lugares pedregosos áridos sobre substratos básicos, e é frequente no Algarve.

Allium subvillosum Salzm. ex Schult. & Schult. f.
Alhos há muitos, e a distinção entre eles nem sempre se faz à vista desarmada. O Allium subvillosum é outra especialidade ibero-norte-africana que em Portugal está confinado ao Algarve. Além de morar em barrancos pedregosos, também é habitual encontrá-lo em dunas. Não fossem a sua distribuição e ecologia, poderia a um olhar mais distraído confundir-se com outros alhos de flor branca como o A. neapolitanum e o A. massaessylum. Ajuda notar que essas espécies têm folhas glabras e que o Allium subvillosum, em obediência ao epíteto específico, as tem com margens ciliadas. Há um outro alho branco, A. subhirsutum, com uma distribuição mediterrânica mais ampla mas não presente em Portugal, que visualmente é quase indistinguível do A. subvillosum. Para uma distinção segura, recomenda a Flora Iberica que analisemos a túnica que reveste o bolbo, o que obviamente não pode ser feito sem que o desenterremos. Sacrificar uma planta por motivo tão fútil é prática que não podemos recomendar.

Silene secundiflora Otth


As duas últimas convidadas de hoje nunca foram vistas no reino de Portugal e dos Algarves, e quem quiser encontrá-las tem mesmo de ir a Espanha ou a Marrocos. A Silene secundiflora é uma planta anual, rasteira, de folhas basais espatuladas. As flores de pétalas rosadas e bífidas seguem o figurino habitual no género Silene, pelo que a planta é mais fácil de reconhecer quando já frutificada, com os cálices insuflados em forma de balão, de cor leitosa, com listas de um castanho avermelhado. Também a vimos nas Baleares, em Menorca, igualmente sobre calcários mas num habitat mais fresco.

Senecio malacitanus Huter


Por último, temos um Senecio ou erva-loira que faz lembrar, de modo alarmante, o sul-africano Senecio inaequidens. Esse potencial invasor chegou ao litoral minhoto no início deste século e, desde então, tendo-se embora expandido consideravelmente pelo nosso território, ficou algo aquém das previsões mais pessimistas; disseminado também por várias províncias espanholas, ainda não parece ter sido avistado em Almeria. No portal iNaturalist, diversas observações no sul de Espanha de um alegado S. inaequidens (por exemplo, esta e esta) referem-se de facto ao Senecio malacitanus, nosso convidado de hoje, que é endémico do sul de Espanha e do norte de África (Argélia e Marrocos). A distinção entre as duas espécies nem sequer é problemática: como se pode observar nesta foto, as folhas do S. inaequidens são auriculadas na base (têm dois apêndices laterais bem desenvolvidos que abraçam o caule), e esse carácter, como se comprova na última foto acima, está ausente no S. malacitanus. Além do mais, as folhas do S. malacitanus são mais estreitas e têm margens claramente revolutas. Desfeita a confusão, fica no entanto a perplexidade por duas espécies morfologicamente tão afins terem origens geográficas tão distantes.

09/07/2025

O deserto e as serras



A serra de Alhamilla, no sudeste de Espanha, dista do litoral uma dezena de quilómetros, mas já esteve mais perto. Há uns 8 milhões de anos, a ponta sudeste da Península Ibérica estava inundada pelo mar Mediterrâneo. As serras do maciço central de Almería nasceram pouco tempo depois, após intensa actividade vulcânica. A serra de Alhamilla é feita de xistos e quartzitos, entremeados por afloramentos calcários e arenitos. Este é um solo que se esfarela facilmente e que a erosão tem vindo a deformar em picos (o mais alto eleva-se aos 1380 m) de vertentes muito inclinadas. O clima na serra é mediterrânico, claro, mas com tendência para a versão seca e ventosa.

A descrição anterior parece ser a de um habitat demasiado adverso para a fixação de plantas. Na verdade, comparada com o deserto que a rodeia, a serra é um oásis. Além de bosques antigos de azinheiras e pinheiros, há o ar húmido que lhe chega do mar e se enovela em nevoeiros densos e persistentes, e a chuva no Outono, por vezes torrencial. E, convenhamos, foi a necessidade de sobreviver em solo resvaladiço e clima semi-árido que criou condições para surgirem os endemismos que nos levaram a Almería.

Pouca gente vive na serra de Alhamilla e os caminhos que a atravessam são raros, estreitos e não asfaltados, ou com piso bastante esburacado. Esta falta de infraestruras é enervante para citadinos como nós, mas assim, dificultando o acesso a locais que requerem protecção estrita, se tem preservado com eficácia a biodiversidade deste ecossistema único. As espécies nas fotos que se seguem vivem no topo da serra, a cerca de 1300 m de altitude.

Silene aellenii Sennen


A Península Ibérica é terra de muitos assobios. Este é exclusivo do sudeste de Espanha e do noroeste de África. É uma herbácea anual, penugenta e muito glandulosa, com lindas flores de cor carmim. Os núcleos populacionais desta espécie em Alhamilla parecem estáveis e bem conservados.

Linaria arvensis (L.) Desf.


Esta ansarina pequenina, de flores azul-violeta com brácteas penugentas e glandulosas, lembra a L. micrantha que ocorre nos olivais de sequeiro, com solo argiloso básico, do Alentejo. São ambas espécies anuais, mas distinguem-se bem, quando em flor, pelo esporão, que na L. arvensis é mais longo e recurvado. Há registo da sua presença no sul e centro da Europa, por isso não será surpresa se um dia alguém a encontrar por cá.

Nonea micrantha Boiss. & Reut.


Talvez porque o topo da serra de Alhamilla é frio e ventoso no Inverno, e árido no Verão, esta boraginácea anual de folhas com margens onduladas também se reveste com um indumento protector nos talos e flores. A sua morfologia é semelhante à da Nonea vesicaria, de que há registos no interior e litoral sul do país e que, curiosamente, também vimos no nordeste, em Torre de Moncorvo. Um artigo de B. Valdés dá conta da existência, em 1980, de exemplares de N. micrantha na ponta de Sagres, mas não foram vistos nas últimas décadas.

Arabis verna (L.) R. Br.


Ao contrário das espécies anteriores, é certo a Arabis verna ocorrer em Portugal (vimo-la nas serras de Aire e Candeeiros), partilhando com as plantas da serra de Alhamilla a preferência por locais frescos com solo pedregoso básico. Por cá está em risco, porque há poucos núcleos conhecidos e todos de dimensão reduzida. E, obviamente, também não ajudam a limpeza excessiva das bermas de caminhos, as obras de beneficiação de estradas, e a expansão de pedreiras.

26/05/2025

Cabo de Gata



O Cabo de Gata, que na antiguidade clássica se chamava Promontório Charidemi, é uma ponta de terra de origem vulcânica no extremo sudeste da Península Ibérica, província de Almería, mesmo em frente ao mar Mediterrâneo. O clima é árido, quase desértico, com invernos amenos e temperaturas que podem ser tão elevadas no Verão que, em alguns dias, não é ali permitida a presença de gente. No Parque Natural do Cabo de Gata, no município de Níjar, que abriga o Cabo e serras vizinhas, os habitats são tão variados que não é surpresa que contenha uma vegetação excepcional, com muitas espécies exclusivas, resultado da adaptação à secura, ao solo salgado e resvaladiço, à costa escarpada, ao vento forte e à maresia. Próximo deste local está o único deserto na Europa (o deserto de Tabernas), que se transforma num tapete de flores quando cai alguma chuva. O resto é mar, enseadas e praias extensas de areia fininha. Aqui lhe mostramos fotos de três dos muitos endemismos do Cabo de Gata, todos com o epíteto específico charidemi a sublinhar o carácter único da flora deste lugar.

Antirrhinum charidemi Lange, dragoncillo del Cabo


Dianthus charidemi Pau, clavelina del Cabo


Teucrium charidemi Sandwith, poleo del Cabo


Este promontório é um canto remoto cheio de vento, com poucos e maus acessos, onde a circulação automóvel não é autorizada. Tudo isto desencoraja, felizmente, o turismo de maior impacto no ambiente. Quase sem população residente, não atraíu os grandes empreendimentos turísticos que são comuns na costa espanhola do Mediterrâneo, e isso tem protegido a sua biodiversidade. Ainda assim, a flora desta reserva da biosfera (terrestre e marinha) da Unesco não está livre de uma séria ameaça: vivem lá demasiadas cabrinhas, para quem não há falésias nem penhascos inacessíveis, e que não sabem que as plantas que devoram são endemismos raros.

Dizem algumas fontes credíveis que o nome do promontório não alude a felinos, mas à abundância de ágatas, cuja extracção terá sido desenfreada noutros tempos. Por contracção fonética, o nome encolheu e alindou-se.

17/05/2025

A fábrica das espécies



La Gomera, a segunda menor das sete principais ilhas das Canárias, é uma fábrica muito diligente de diversidade vegetal. Só do género Sideritis, nem sequer o mais variado da flora dessa ilha (é ultrapassado pelo género Aeonium), são seis as espécies ou subespécies endémicas de La Gomera. Tenerife, com uma área quase seis vezes superior, fica-se pelas dezasseis, o que significa que a menor das duas ilhas se sai airosamente da contenda. O que terá levado este género de lamiáceas a produzir tamanha diversidade de espécies em territórios tão exíguos? É bom lembrar que também na flora de Portugal continental existem Sideritis, mas apenas quatro espécies, o que nos coloca numa situação de embaraçosa inferioridade face ao arquipélago das Canárias. No resto da Península a situação compõe-se, cifrando-se o total peninsular em 34 espécies, mas a desigualdade entre Portugal e Espanha impõe a pergunta: sabendo nós que o género Sideritis é apenas um dos muitos exemplos que poderíamos aduzir, o que há de diferente no território continental português para justificar a nossa comparativa pobreza florística? A resposta passa certamente por uma maior homogeneidade do nosso território (o único grande contraste dá-se entre o que fica a norte e o que fica a sul do Tejo), daí resultando uma menor diversidade de habitats. Ao contrário de Espanha, não temos altas montanhas nem desertos, e — embora o Algarve se esforce valorosamete por suprir a falha — falta-nos por completo uma costa mediterrânica. Mas esta explicação simplista não cobre o caso das Canárias, e ainda menos o de La Gomera, pois também aí a diversidade de habitats é pouca: o sul da ilha é quase desértico, o norte é fresco e arborizado, e a transição entre as duas metades faz-se por uma zona central montanhosa bastante agreste, com uma altitude máxima próxima dos 1500 metros. Assim, é de supor que o factor decisivo nesta especiação desenfreada tenha sido o relevo acidentado da ilha, ao criar barreiras geográficas entre populações de plantas que originalmente seriam da mesma espécie.

Sideritis gomerae subsp. perezii Negrín


As Sideritis da Macaronésia (Canárias e Madeira) são todas muito semelhantes, e contrastam marcadamente com as suas congéneres peninsulares pelo hábito lenhoso e pelas flores tubulares com labelo e estandarte muito reduzidos. Isso justifica que tenham sido segregadas num subgénero próprio (Marrubiastrum), e sugere que todas elas sejam descendentes de uma mesma espécie ancestral. Ou seja, a presença do género Sideritis nestes arquipélagos terá resultado de um único evento colonizador, seguido de radiação e especiação. Um estudo de 2002 (Origin of Macaronesian Sideritis L. (Lamioideae: Lamiaceae) inferred from nuclear and chloroplast sequence datasets) comprova isso mesmo, estabelecendo ainda que a linhagem das Sideritis macaronésicas teve origem provável no norte de África, pois o seu parente continental mais próximo actualmente conhecido é a marroquina S. cossoniana.

Regressamos a La Gomera e às plantas hoje no escaparate, ambas endémicas dessa ilha: dentro do grupo reconhecível a que pertencem, não poderiam ser mais diferentes. A Sideritis gomerae subsp. perezii (fotos em cima) vive em taludes rochosos íngremes ou mesmo verticais na vertente sul do centro montanhoso de La Gomera, entre os 700 e os 1000 metros de altitude; é uma planta atarracada, com ramos lenhosos curtos, hastes florais crescendo na horizontal, e folhas lanudas algo retorcidas.

A Sideritis lotsyi (fotos em baixo) é uma planta arbustiva com um tronco bem formado, capaz de ultrapassar um metro de altura, com folhas lanceoladas, verdes na face superior, e hastes florais erectas, rematadas por inflorescências compactas. Mora também na região central de La Gomera, entre os 600 e os 1300 m de altitude, mas prefere lugares abrigados e não desdenha misturar-se com a restante vegetação, acantonando-se por vezes em pinhais e retamais.

Sideritis lotsyi (Pit.) Ceballos & Ortuño