Asplenium X lucrosum Perrie & Brownsey [ = A. bulbiferum G. Forst. X A. dimorphum Kunze]
Junto à entrada dos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, mora à sombra das camélias, julgamos que desde sempre, um grande feto muito decorativo, de frondes numerosas, escuras e rendilhadas. Resiste à chuva, ao frio, ao calor e aos maus tratos ocasionais; sobreviveu à instalação do sistema de rega que fez apodrecer as raízes das magnólias; e vai lançando, ano após ano, folhas sempre novas para substituir as que vão secando.
Desvendar a identidade de uma planta possivelmente tão antiga no seu canteiro como as mais velhas árvores do jardim tornou-se-nos imperativo. E o feto apresenta peculiaridades que deveriam facilitar a tarefa. As frondes sofrem de um claro dimorfismo: comparem-se as pínulas largas e achatadas na segunda foto com as pínulas quase lineares nas fotos seguintes. As pínulas largas são estéreis, enquanto que as estreitas são fertéis, com o verso preenchido por uma tira de esporângios (3.ª foto). Outro carácter distintivo é a presença de plantas-bebés produzidas por bolbilhos agarrados à página superior de algumas frondes (última foto): são novas plantas completas, prontas a enraízarem-se quando se soltarem da planta-mãe. Esse comportamento de cada folha funcionar como maternidade, afinal não tão raro no mundo das pteridófitas, acabou por ser decisivo na identificação do feto. Os anglo-saxónicos chamam-lhe
mother fern ou
hen and chicken fern. É popular em jardinagem e, sendo tão fácil de reproduzir (ele próprio, sem ajuda, se encarrega da tarefa), aparece com frequência no comércio hortícola. Com surpresa por causa do seu porte avantajado, embora a disposição linear dos esporângios esteja de acordo com o normal no género, aprendemos que se trata de um
Asplenium: de seu nome completo
A. bulbiferum, é originário da Nova Zelândia, Austrália e (segundo algumas fontes) de grande parte da Ásia.
Acontece que esta história, repetida em vários guias de identificação de plantas, está cheia de equívocos que só foram cabalmente esclarecidos em
artigo publicado em 2005, na revista
Plant Systematics and Evolution, por três botânicos neo-zelandeses: L. R. Perrie, L. D. Shepherd e P. J. Brownsey (veja também
aqui). Concluíram os autores que a planta habitualmente cultivada em jardins e vendida um pouco por todo o mundo como
Asplenium bulbiferum é na verdade um híbrido estéril, produzido talvez acidentalmente em Inglaterra durante o século XIX, que terá resultado do cruzamento do verdadeiro
A. bulbiferum com o
A. dimorphum. Estas duas espécies, apesar de geneticamente próximas, nunca teriam oportunidade de produzir um híbrido em condições naturais, pois a primeira é endémica da Nova Zelândia (não tem a ampla distribuição que alguns lhe atribuem) e a segunda da ilha australiana de Norfolk. Curiosamente, o híbrido que durante tanto tempo usurpou o nome de
A. bulbiferum é mais cultivado do que o seu progenitor até na própria Nova Zelândia, onde chegou a ser usado em programas de regeneração de espaços naturais. Os estragos resultantes do erro não foram irreparáveis porque a esterilidade da planta, que só lhe permite reproduzir-se por bolbilhos, a manteve confinada a áreas relativamente pequenas. Morfologicamente, o híbrido é uma média perfeita dos seus dois pais, herdando de cada um deles uma característica crucial e distintiva: o dimorfismo foliar veio do
A. dimorphum, e a produção de bolbilhos do
A. bulbiferum.
O epíteto
lucrosum com que os autores do artigo baptizaram o até então mal identificado feto presta jocosa homenagem às qualidades comerciais de uma planta cultivada em cinco continentes. Em Portugal, porém, a sua venda dificilmente seria negócio lucrativo, e por isso os bolbilhos das plantas do Palácio estão a salvo da nossa cobiça.