A fábrica das espécies
La Gomera, a segunda menor das sete principais ilhas das Canárias, é uma fábrica muito diligente de diversidade vegetal. Só do género Sideritis, nem sequer o mais variado da flora dessa ilha (é ultrapassado pelo género Aeonium), são seis as espécies ou subespécies endémicas de La Gomera. Tenerife, com uma área quase seis vezes superior, fica-se pelas dezasseis, o que significa que a menor das duas ilhas se sai airosamente da contenda. O que terá levado este género de lamiáceas a produzir tamanha diversidade de espécies em territórios tão exíguos? É bom lembrar que também na flora de Portugal continental existem Sideritis, mas apenas quatro espécies, o que nos coloca numa situação de embaraçosa inferioridade face ao arquipélago das Canárias. No resto da Península a situação compõe-se, cifrando-se o total peninsular em 34 espécies, mas a desigualdade entre Portugal e Espanha impõe a pergunta: sabendo nós que o género Sideritis é apenas um dos muitos exemplos que poderíamos aduzir, o que há de diferente no território continental português para justificar a nossa comparativa pobreza florística? A resposta passa certamente por uma maior homogeneidade do nosso território (o único grande contraste dá-se entre o que fica a norte e o que fica a sul do Tejo), daí resultando uma menor diversidade de habitats. Ao contrário de Espanha, não temos altas montanhas nem desertos, e — embora o Algarve se esforce valorosamete por suprir a falha — falta-nos por completo uma costa mediterrânica. Mas esta explicação simplista não cobre o caso das Canárias, e ainda menos o de La Gomera, pois também aí a diversidade de habitats é pouca: o sul da ilha é quase desértico, o norte é fresco e arborizado, e a transição entre as duas metades faz-se por uma zona central montanhosa bastante agreste, com uma altitude máxima próxima dos 1500 metros. Assim, é de supor que o factor decisivo nesta especiação desenfreada tenha sido o relevo acidentado da ilha, ao criar barreiras geográficas entre populações de plantas que originalmente seriam da mesma espécie.


As Sideritis da Macaronésia (Canárias e Madeira) são todas muito semelhantes, e contrastam marcadamente com as suas congéneres peninsulares pelo hábito lenhoso e pelas flores tubulares com labelo e estandarte muito reduzidos. Isso justifica que tenham sido segregadas num subgénero próprio (Marrubiastrum), e sugere que todas elas sejam descendentes de uma mesma espécie ancestral. Ou seja, a presença do género Sideritis nestes arquipélagos terá resultado de um único evento colonizador, seguido de radiação e especiação. Um estudo de 2002 (Origin of Macaronesian Sideritis L. (Lamioideae: Lamiaceae) inferred from nuclear and chloroplast sequence datasets) comprova isso mesmo, estabelecendo ainda que a linhagem das Sideritis macaronésicas teve origem provável no norte de África, pois o seu parente continental mais próximo actualmente conhecido é a marroquina S. cossoniana.
Regressamos a La Gomera e às plantas hoje no escaparate, ambas endémicas dessa ilha: dentro do grupo reconhecível a que pertencem, não poderiam ser mais diferentes. A Sideritis gomerae subsp. perezii (fotos em cima) vive em taludes rochosos íngremes ou mesmo verticais na vertente sul do centro montanhoso de La Gomera, entre os 700 e os 1000 metros de altitude; é uma planta atarracada, com ramos lenhosos curtos, hastes florais crescendo na horizontal, e folhas lanudas algo retorcidas.
A Sideritis lotsyi (fotos em baixo) é uma planta arbustiva com um tronco bem formado, capaz de ultrapassar um metro de altura, com folhas lanceoladas, verdes na face superior, e hastes florais erectas, rematadas por inflorescências compactas. Mora também na região central de La Gomera, entre os 600 e os 1300 m de altitude, mas prefere lugares abrigados e não desdenha misturar-se com a restante vegetação, acantonando-se por vezes em pinhais e retamais.




