Marroios & balotas
No sul de Espanha, entre Granada e Almeria, a serra Nevada é uma muralha rochosa de cem quilómetros de comprimento que corre paralelamente à costa; a sua altitude é quase sempre superior aos 2000 metros, e em certos trechos supera largamente os 3000. Seja pelo norte ou pelo sul, as estradas são forçadas a contornar o obstáculo formidável, e há apenas uma que faz a ligação entre as duas vertentes da serra. A 2040 de altitude, o Puerto de La Ragua, onde outrora funcionou uma estação de esqui tornada inviável pela escassez da neve, é o ponto mais elevado dessa travessia rodoviária. Os pinheiros em plantação cerrada dos dois lados da estrada não prometem descobertas botânicas entusiasmantes, mas há também, pelas encostas acima, vastos descampados por onde meandram riachos que, mais abaixo, engrossam até se converterem em ribeiras. Entre o degelo e a estiagem, são três ou quatro meses para as herbáceas cumprirem o seu ciclo anual. Chegámos tarde, num mês de Julho de calor sufocante, e pouco vimos que valha a pena ser contado. Havia roseiras silvestres que formavam maciços vistosos, com um profusão de flores variando entre o branco e o rosa carregado; e, junto a uma das linhas de água, vegetava uma lamiácea de folhas lanudas e arredondadas que exibia ainda algumas flores frescas.
Ainda que a floração fosse arroxeada em vez de branca, o formato das folhas e a disposição das flores em verticilos largamente espaçados lembravam irresistivelmente o marroio-branco (Marrubium vulgare), planta todo-o-terreno presente de norte a sul do nosso país mas mais frequente no interior. A planta da serra Nevada pertence ao mesmo género botânico e é por isso apropriado que também lhe chamemos marroio. O seu nome científico, Marrubium supinum, sugere um hábito rasteiro, o que é em parte desmentido pelas hastes florais erectas. Tal como a sua congénere, tem apetências ruderais e não exige habitats de primeira qualidade, podendo medrar em terrenos baldios e bermas de caminhos. Essa adaptabilidade não lhe garante, contudo, uma distribuição vasta: no nosso continente, fica-se pela metade oriental da Península Ibérica, e a sua presença em Marrocos, Algéria e Tunísia, únicos países africanos onde está assinalada, é bastante residual.
Não foi esse o único marroio que vimos nessa semana em que excursionámos por terras andaluzas. Num dos dias deslocámo-nos à costa e, já em Málaga, visitámos a praia de las Alberquillas — que só vimos ao longe, antes de o calor nos fazer demandar paragens mais frescas. A canícula parecia incompatível com qualquer forma de vida, e todas as plantas estavam reduzidas a palha seca. Todas? Não exactamente. Havia, sob o sol assassino, um marroio (ou o que nos pareceu ser tal coisa) com folhas verdes e viçosas que floria despreocupadamente. A inflorescência mais compacta já levantava suspeitas, e verificámos depois que não se tratava de um Marrubium, mas sim de uma Ballota. O seu nome completo, Ballota hirsuta, permite-nos deduzir ser ela parente próxima do marroio-negro, que é como se chama em Portugal a Ballota nigra.
Como todos os marroios, a Ballota hirsuta é uma planta ruderal que prefere lugares nitrificados, e as perturbações ocasionadas pela presença humana só a favorecem. A sua área de distribuição também se restringe à Península Ibérica e ao norte de Áfrcia — mas, ao contrário do Marrubium supinum, a Ballota hirsuta ocorre no nosso país, sobretudo no sul, e não é rara nos países magrebinos.