Marsilea azorica Launert & Paiva
Nota prévia (Novembro de 2011). O texto que se segue foi escrito um ano antes de se descobrir que a
Marsilea azorica é afinal uma espécie exótica de origem australiana, de seu verdadeiro nome
Marsilea hirsuta. Mais informações
aqui.
Para este raríssimo feto açoriano, ao que se conta, quase foi fatal a presidência aberta de Mário Soares no arquipélago entre Maio e Junho de 1989. Ressalve-se, porém, que o então Presidente da República não teve culpa no sucedido. As regras de bem receber impunham que as estradas por onde desfilasse a comitiva presidencial estivessem um primor, com bermas rapadas à escovinha e as inevitáveis hortênsias para enfeitar. E não é que a
Marsilea azorica, com tantas ilhas aonde se acolher, e nelas tantas lagoas debruadas de sossego, elege para sua única residência a vizinhança de uma das principais estradas da ilha Terceira? As plantas mais afoitas desapareceram para nunca mais serem vistas. Sobraram, num charco temporário já fora do alcance da máquina zero, umas quantas plantas que desde então têm levado uma existência mais ou menos tranquila. Foi colocada uma paliçada ao longo da estrada para impedir o pisoteio, e falta só completar igual protecção do lado oposto, não vá algum rebanho mais incauto confundir este trevo-de-quatro-folhas com a sua dieta habitual.
A
Marsilea azorica, com um habitat global de poucas dezenas de metros quadrados, é certamente uma das plantas mais raras e vulneráveis do planeta. Mas, como deve ter ficado claro, encontrá-la não exige grandes dotes de explorador: todos os terceirenses que valorizam o património natural da ilha sabem onde ela vive. Em 1989 poucos sabiam, e o resultado foi quase catastrófico. Ficou a lição de que o secretismo e o desconhecimento geral não são o melhor modo de preservar espécies em perigo. A população de
M. azorica é vigorosa e, salvo algum desastre imponderável, há-de manter-se indefinidamente no seu charco.
O reconhecimento deste endemismo terceirense é recente: o nome científico só foi registado em 1983 por Georg Oskar Edmund Launert e Jorge Paiva. Talvez até então se pensasse que as plantas açorianas pertenceriam a alguma das outras 64 espécies de
Marsilea. De facto, as diferenças entre a
M. azorica e a europeia
M. quadrifolia não são fáceis de detectar a olho nu. E, pelo menos em Portugal, a
M. quadrifolia corre muito maior risco de extinção do que a sua congénere açoriana. De nada lhe valeu ter sido uma das oito espécies seleccionadas pelo
Plano Nacional de Conservação da Flora em Perigo, lançado pelo ICN em 2002. No único local conhecido de ocorrência da espécie no nosso país - foz do rio Corgo, na Régua -, não foram detectadas quaisquer plantas entre 2003 e 2005. Só em 2006 se encontraram meia dúzia de exemplares, e como o projecto deveria terminar no final desse ano já nada se fez: o ICN, afinal, apenas conseguiu ministrar a extrema-unção à
M. quadrifolia. É muito provável que a espécie já não exista em Portugal: em busca dela andámos este Verão no Corgo e no Douro com água pelos joelhos e nada encontrámos.
A um olhar distraído a
Marsilea pode confundir-se com o
Oxalis, mas basta contar até quatro para desfazer a confusão. O
Oxalis é uma angiospérmica - ou seja, uma planta que dá flor -, enquanto que a
Marsilea é um feto,
reproduzindo-se por esporos. É verdade que, com as suas frondes compostas por quatro lâminas, é um feto peculiar. Por exemplo, é difícil saber quantas plantas aparecem na foto em baixo: pode ser uma só, podem ser muitas. Tal como várias outras plantas adaptadas à vida aquática, a
Marsilea tem caules rastejantes (ou, mais propriamente, rizomas) de onde saem os pecíolos de 12 a 15 cm com as folhas nas extremidades. Quando há água, as folhas, que não têm mais que 3,5 cm de diâmetro, flutuam à superfície; quando, no Verão, a água recua, as hastes mantêm-se erectas. Trata-se assim de uma planta anfíbia, que muda de veste conforme a estação do ano.
Marsilea azorica Launert & Paiva