22/10/2010

A companhia das verónicas


Veronica micrantha Hoffmanns. & Link

Já faz tempo que aqui apresentámos o nosso primeiro par de verónicas; está na hora de fazermos desfilar o segundo. Para benefício do leitor menos cinéfilo, sempre explicamos que a propensão para mostrarmos as verónicas aos pares nos vem do filme La double vie de Véronique (1991) do polaco Krzysztof Kieslowski. Houve um tempo, hoje incrivelmente remoto, em que os filmes rotulados como imperdíveis pelos críticos do Público não estreavam só em Lisboa. Como quem exibe relíquias de um passado glorioso, gostamos de mostrar que vimos esses filmes. O caso em apreço é singularmente apropriado: tal como as duas moças do filme (uma polaca, a outra francesa), as nossas verónicas nunca se encontram a não ser no écran (do cinema ou deste computador à sua frente). No que às plantas diz respeito, aliás, o nosso frente a frente virtual nem sequer é inédito, pois duas das fotos que aparecem nesta página (adivinhe quais) são da V. micrantha e não da V. officinalis. Pode dizer-se que o reencontro aqui e agora das duas verónicas é o aprofundamento de uma amizade.

As verónicas de hoje são ambas perenes, atingem alturas respeitáveis (50 a 70 cm), têm preferência por lugares húmidos como prados ou carvalhais, e estão confinadas à metade norte do país; globalmente, a V. micrantha é um exclusivo ibérico, enquanto que a V. officinalis se distribui por boa parte das regiões temperadas do hemisfério norte. Além disso, a segunda, muito abundante nos bosques do Gerês e do Marão, é bem mais fácil de encontrar por cá do que a primeira. A V. micrantha é de facto uma raridade, e só não está incluída no livro vermelho da flora ameaçada em Portugal porque esse importantíssimo livro não existe (existe porém em Espanha, e ela aparece lá listada como vulnerável). Há notícia dela na Mata da Margaraça, onde, após insistentes buscas, a vimos num único local; mas as fotos acima foram tiradas em Aveção do Cabo, no concelho de Vila Real.

Um pouco de latim ou de grego fica sempre bem para rematar a lição. Micrantha é palavra grega e significa flores pequenas - o que, sendo indiscutível, não parece ser atributo que singularize a V. micrantha entre as suas congéneres. De facto, as flores da V. officinalis têm tamanho semelhante: de 6 a 8 mm de diâmetro. O epíteto latino officinalis, por seu turno, é usado na designação científica de muitas plantas, e indica que, pelas suas reais ou imaginárias virtudes medicinais, o vegetal em causa até era vendido nas boticas (que em latim se chamavam officinæ). Os nomes populares da V. officinalis atestam esses antigos uso: chá-da-europa, verónica-das-boticas, verónica-das-farmácias.


Veronica officinalis L.

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