Dos telhados às dunas
Há dias um vizinho nosso mandou consertar o muro que separa o jardim dele de uma casa contígua, abandonada, que há muito ameaça desmoronar-se. Quem pagou a obra foi o proprietário da dita casa — que já tem ideia, logo que venham tempos melhores, do uso que lhe vai dar. Alguma cautela se faz porém necessária: com a sua fachada lisa de que apenas sobressai uma varanda de ferro forjado, a casa não parecer ser património de grande valor; contudo, aparece no PDM do Porto como imóvel de interesse municipal. Mesmo que o restauro se resuma ao fachadismo em voga, ali não poderá erguer-se prédio de muitos andares. O tempo, entretanto, não brinca em serviço: o travejamento do tecto vai caindo de podre, quebram-se as telhas, as paredes interiores reduzem-se a escombros. E talvez as obras de consolidação do muro tenham, paradoxalmente, agravado o equilíbrio periclitante do edifício, pois quem as executou começou por arrancar a vegetação que revestia o telhado. A hera agora erradicada substituía as telhas em falta e, agarrando-se às traves e às pedras, tecia com os seus caules uma espécie de rede de sustentação; quem sabe se a última que mantinha de pé a débil estrutura. Aquela casa ainda vai ser notícia nos jornais.
E nem só à hera se resumia a vida vegetal que se acolhera ao telhado e ao muro. Não havia Primavera em que os alfinetes (Centranthus ruber) se esquecessem de montar a sua multicolorida banca de flores. Menos vistosos, adivinhavam-se os umbigos-de-vénus, a cimbalária e os diversos arrozes. É possível que tudo isto regresse, mas vai levar o seu tempo, e é preciso que a casa não caia nem seja sujeita a limpezas periódicas.
Quem alguma vez tenha reparado na tenacidade com que os Sedum colonizam os lugares mais inóspitos (rochas, telhados, muros e até o asfalto das auto-estradas) não pode deixar de os admirar. São plantas suculentas que têm por vocação estender mantos de flores em lugares onde a vida parece não ser possível. Algumas espécies, com notável espírito de sacrifício, recusam todo o alojamento mais aconchegante: qualquer vestígio de solo as afugenta. Outras estão abertas ao compromisso, admitindo ocupar habitats variados. O Sedum album, por exemplo, além de ser visto nos tradicionais telhados e muros, frequenta ainda as dunas da nossa costa. Não que as areias marítimas sejam lugares de vida fácil — mas pelo menos lá este Sedum tem a companhia de numerosas outras plantas.
2 comentários :
Refiz um velho muro, recolonizando-o com seduns e afins.
Quem na rua passava, aquando do serviço, coçava na cabeça.
Uma boa senhora, encheu-se de coragem e dirigiu-me a palavra:
- Caro senhor, olhe que essas plantas não são de pôr! Não vê que são de tirar?
Excelente história, que mais parece um conto moral. Não há dúvida de que, para o nosso povo, deixar crescer a vegetação espontânea é sinal de desmazelo. E quem nos governa ou opina nos jornais pensa exactamente da mesma maneira. Pois é exactamente essa a mentalidade que fica a nu quando se fala em limpeza de matas e se esquece a outra face da moeda (são essas matas que abrigam muito do que há de mais precioso na nossa flora).
Enviar um comentário