11/10/2010

Dos telhados às dunas

Sedum album L.
Há dias um vizinho nosso mandou consertar o muro que separa o jardim dele de uma casa contígua, abandonada, que há muito ameaça desmoronar-se. Quem pagou a obra foi o proprietário da dita casa — que já tem ideia, logo que venham tempos melhores, do uso que lhe vai dar. Alguma cautela se faz porém necessária: com a sua fachada lisa de que apenas sobressai uma varanda de ferro forjado, a casa não parecer ser património de grande valor; contudo, aparece no PDM do Porto como imóvel de interesse municipal. Mesmo que o restauro se resuma ao fachadismo em voga, ali não poderá erguer-se prédio de muitos andares. O tempo, entretanto, não brinca em serviço: o travejamento do tecto vai caindo de podre, quebram-se as telhas, as paredes interiores reduzem-se a escombros. E talvez as obras de consolidação do muro tenham, paradoxalmente, agravado o equilíbrio periclitante do edifício, pois quem as executou começou por arrancar a vegetação que revestia o telhado. A hera agora erradicada substituía as telhas em falta e, agarrando-se às traves e às pedras, tecia com os seus caules uma espécie de rede de sustentação; quem sabe se a última que mantinha de pé a débil estrutura. Aquela casa ainda vai ser notícia nos jornais.

E nem só à hera se resumia a vida vegetal que se acolhera ao telhado e ao muro. Não havia Primavera em que os alfinetes (Centranthus ruber) se esquecessem de montar a sua multicolorida banca de flores. Menos vistosos, adivinhavam-se os umbigos-de-vénus, a cimbalária e os diversos arrozes. É possível que tudo isto regresse, mas vai levar o seu tempo, e é preciso que a casa não caia nem seja sujeita a limpezas periódicas.

Quem alguma vez tenha reparado na tenacidade com que os Sedum colonizam os lugares mais inóspitos (rochas, telhados, muros e até o asfalto das auto-estradas) não pode deixar de os admirar. São plantas suculentas que têm por vocação estender mantos de flores em lugares onde a vida parece não ser possível. Algumas espécies, com notável espírito de sacrifício, recusam todo o alojamento mais aconchegante: qualquer vestígio de solo as afugenta. Outras estão abertas ao compromisso, admitindo ocupar habitats variados. O Sedum album, por exemplo, além de ser visto nos tradicionais telhados e muros, frequenta ainda as dunas da nossa costa. Não que as areias marítimas sejam lugares de vida fácil — mas pelo menos lá este Sedum tem a companhia de numerosas outras plantas.

2 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Refiz um velho muro, recolonizando-o com seduns e afins.
Quem na rua passava, aquando do serviço, coçava na cabeça.
Uma boa senhora, encheu-se de coragem e dirigiu-me a palavra:
- Caro senhor, olhe que essas plantas não são de pôr! Não vê que são de tirar?

Paulo Araújo disse...

Excelente história, que mais parece um conto moral. Não há dúvida de que, para o nosso povo, deixar crescer a vegetação espontânea é sinal de desmazelo. E quem nos governa ou opina nos jornais pensa exactamente da mesma maneira. Pois é exactamente essa a mentalidade que fica a nu quando se fala em limpeza de matas e se esquece a outra face da moeda (são essas matas que abrigam muito do que há de mais precioso na nossa flora).