31/12/2004

Ponto, parágrafo

A espera pela meia-noite do dia 31 de Dezembro parece sempre uma das mais longas de que há memória, como se a física que rege o tempo se alterasse nesses fins de calendário. Por isso há que recorrer à imaginação para a preencher. Podemos optar por um demorado passeio num dos parques da cidade, a apreciar o aroma dos eucaliptos ou as magnólias a abotoar, assunto vasto para a conversa mais tarde com a família; ou ir ao Jardim Botânico do Porto conhecer um exemplar de Macadamia.


Fotos: pva 0412 - folhagem e sementes de Macadamia spp.

Esta árvore de origem australiana é da família Proteacea (tal como os géneros Banksia ou Grevillea) e as espécies integrifolia e tetraphylla (ou seus cultivares) produzem sementes que são consideradas as mais saborosas entre os frutos secos que hoje em dia se consomem. O nome homenageia John Macadam, médico e químico do século XIX, amigo de Ferdinand von Muller, botânico em Melbourne que primeiro nomeou este género. O exemplar do Jardim Botânico tem folha perene, ovada, ondulada no bordo, com cerca de 14 cm de comprimento, sem lóbulos e só ligeiramente serrada (diz-se inteira, daí que suspeitemos que seja integrifolia), de cor verde brilhante. As flores da macadâmia são brancas ou rosadas e desabrocham em cachos, num efeito ornamental muito vistoso; os frutos nascem em drupa, como nas palmeiras, depois dos 7 anos de idade da árvore. A plantação desta árvore com intenção comercial foi iniciada em 1858 em Queensland pelo administrador do Brisbane Botanical Garden; hoje o primeiro produtor é o Havai seguido pela Austrália e África do Sul, uma meia dúzia de países onde a macadâmia partilha com sucesso o solo e o clima favoráveis à planta do café, e outros interessados no preço elevado que esta semente tem no mercado.

Depois de uma tarde frutuosa a estudar esta árvore rara entre nós, merecemos o banquete de fim-de-ano. Como relata Miguel Esteves Cardoso, em A causa das coisas (1991), «Começa-se com um aperitivo, para aguçar um dente que já está perfeitamente vampiresco desde o meio-dia. (...) Depois do aperitivo, como «a comidinha demora», pedem-se «umas coisinhas para petiscar». Os portugueses não petiscam em vez de almoçar: petiscam porque vão almoçar. Chegam então aquelas partes do porco que servem para a locomoção, para o olfacto e para a audição, todas elas reciladas num molhinho com pesados pêsames de alho e coentrada. Juntamente com uns queijinhos para «fazer boca», e umas azeitoninhas para fazer companhia, servem para «ir comendo». «Ir comendo», como já sabemos, não conta como comer. A quantidade colossal de pão que se consome ao mesmo tempo - as chamadas «buchas» - também não conta, porque se destina a um fim essencialmente humanitário, que é «fazer a cama ao vinho». (...) Tecnicamente, os petiscos terminam quando principia a refeição propriamente dita (o «conduto»). (...) Impõem-se agora - precisamente - uma sopinha (talvez de grão, certamente com massa). Para quê? - poder-se-á perguntar. Para «assentar». (...) Depois dos petiscos para abrir o apetite, do conduto para dar força, do pão para fazer a cama, do arrozinho para ensopar e da sopa para assentar, vem a sobremesa para «tirar o gosto da sopa», a fruta para «desenjoar» e o bagacinho para «fazer a digestão».»

E umas deliciosas macadâmias para receber o novo ano.

30/12/2004

As palmeiras

Também o deserto vem
do mar. Não sei em que navio,
mas foi desses lugares
que chegaram ao meu jardim
as palmeiras.
Com o sol das areias
em cada folha,
na coroa o sopro
ainda húmido das estrelas.

Eugénio de Andrade, Ofício de paciência (1994)

Encantamento em contraluz na Rotunda






Fotos: mdlramos 0412 - Jardim da Rotunda da Boavista a meio do dia
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Na Rotunda da Boavista a maior parte dos liquidâmbares que perderam as folhas ostentam os seus frutos característicos... Em contraluz, são pontos negros que nos distraiem e encantam, a mim e à pomba!

Que bonito está o jardim no Inverno apesar de tudo...! As numerosas japoneiras em flor, as palmeiras sempre verdes, as tílias e os tulipeiros, e os carvalhos sem folhas, o metrosídero cheio de raízes vermelhinhas, os braquititons a dar fruto...

Que pena continuar a ser tão difícil atravessar a rua para ver de mais perto toda esta beleza!
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A Nossa Vida Piorou

Não falamos do défice ou da estagnação dos salários, pois essas coisas, dentro de limites razoáveis, não têm na verdade grande importância. Nem se trata de fazer o balanço do ano, computar o deve e o haver para que a aritmética nos esclareça se estamos hoje mais felizes do que em 1 de Janeiro de 2004: aquilo que faz os nossos dias amenos ou aziagos não é mensurável pela frieza autista da economia.

A nossa vida piorou porque arrancaram as jovens tílias na Rua D. Manuel II, frente ao Museu Soares dos Reis. O nosso trajecto diário a pé vai ter menos beleza; e, quando vier a Primavera, não nos irá regalar o perfume das tílias floridas.

No futuro, graças às novas acessibilidades (como o túnel rodoviário que obrigou ao sacrifício das tílias), gozaremos de uma mobilidade quase frenética: é pelo menos esse o sonho dos nossos governantes. Mas esse frenesim há-de ser como o dos ratos em laboratório: nestas placas contínuas de betão como cada vez mais são as nossas cidades, nada haverá que nos retenha ou apazigue os sentidos.

«Gardens are a form of autobiography.»
Sydney Eddison, 'Horticulture magazine', Aug./Sept. 1993 (ou Robert Dash ?)
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29/12/2004

O Mundo da Camélia - Livro

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Por força da jardinagem pública de alguns municípios nortenhos, o interesse pelo cultivo das camélias tem conhecido entre nós, nos últimos anos, um ressurgimento promissor. Afinal temos ilustres pergaminhos a defender: na segunda metade do século XIX, no Porto, José Marques Loureiro teve no Horto das Virtudes um dos mais importantes estabelecimentos hortículas peninsulares, que contribuiu decisivamente para a voga das camélias em jardins públicos e privados tanto no norte de Portugal como na Galiza. O livro que agora aqui trazemos, O Mundo da Camélia, é o melhor testemunho do renovado vigor dessa tradição.

O livro, com cerca de 170 páginas, contém um resumo, muito bem documentado, da história da camélia e da sua introdução no Ocidente, indicações sobre cultivo e métodos de propagação, descrição das moléstias mais comuns, e finalmente uma listagem de mais de seiscentas variedades, todas elas ilustradas com excelentes fotos acompanhadas por descrições sumárias. Todas as flores foram fotografadas pelos autores em viveiros portugueses (em especial na Quinta Vilar de Matos, na Junqueira, Vila do Conde), e são incluídas não só variedades de Camellia japonica, mas também de C. sasanqua, de C. reticulata, de C. higo, de camélias híbridas, e de outras espécies raras em cultivo como a C. irrawadiensis e a C. chrysantha (que tem a particularidade de dar flores amarelas).
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Em suma: uma obra que honra a horticultura portuguesa e talvez a ajude a recuperar algum brio, numa época em que a maioria dos ditos hortos não são mais que entrepostos de venda de plantas importadas, e o contributo nacional para a literatura sobre plantas e jardinagem é quase inexistente. Pena é que esta edição, de tão escassamente divulgada, seja quase clandestina.
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Título: O Mundo da Camélia
Autores: Veiga Ferreira e Maria Celina
Ano de edição: 2000
edição dos autores, tiragem 500 exemplares
170 páginas em papel couché, formato A4
Preço: 50 euros

Contacto dos Autores:
José Alberto Ferraz da Veiga Ferreira
Rua Manuel Bandeira 147-93
Porto
Fax 226090036
Telemóvel: 968019684


À venda também na Quinta Vilar de Matos, Junqueira, Vila do Conde

28/12/2004

Dos jornais: a Quinta de Marques Gomes (Gaia)

«Que está a ser feito das últimas zonas verdes com dimensão e significado na Área Metropolitana do Porto? A resposta é simples: em certos casos, estão esses derradeiros bastiões entregues ao esquecimento e, o que é pior, à voracidade das operações imobiliárias - sem que ao menos a opinião pública tenha uma ideia clara sobre o que se está perdendo. E isto passa-se no momento em que mais se fala de "requalificar", de defender o ambiente e de ordenar o território. Algum dia - certamente já tarde de mais - lamentaremos amargamente a perda de espaços que tornariam possível a qualidade de vida e a verdadeira humanização das cidades!

A Quinta de Marques Gomes é um desses espaços, porventura dos mais importantes. Estendendo-se entre S. Paio e o Cabedelo, e da marginal do Douro até aos pontos mais altos de Canidelo, aí se guardam matas e terras cultivadas, pastagens e prados selvagens, num conjunto notável, como que emoldurando o belo cenário estuarino, com a sua paisagem bela e surpreendente.
(ver foto aérea) Vila Nova de Gaia poderia contar com tal património natural para criar o "Parque da Cidade" tão necessário e diversas vezes proposto. Mas não. A Quinta, e tudo o que ela significa como "pulmão" de Gaia e da zona do Porto, está em grave risco de se perder.

Foi recentemente anunciado o que a aguarda: a sua transformação num "agregado com cerca de 1100 casas, totalizando mais de 148 mil metros quadrados de habitações - com uma cércea , em média, de quatro andares -, e 10 mil de escritórios, a que acrescem 70 mil metros quadrados de estacionamento subterrâneo".

Uma tão pesada ocupação significa, sem apelo nem agravo, a transformação da Quinta numa saudade, certamente com resultados lucrativos, mas que se duvida possam ser de interesse público.»


Bernardino Guimarães no JN de 28/XII/2004
(texto completo aqui)
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Adenda: Visita à Quinta de Marques Gomes (10/II/05)

Garden with views - Jardim do Palácio de Cristal

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Palacio de Crital
Vista para o rio Douro, lado nascente
No pouco luxuriante Jardim dos Sentimentos, sobressai, com a sua folhagem verde limão, uma jovem caneleira (Cinnamomum zeylanicum) que, neste espaço onde se pretende representar algumas espécies botânicas e assinalar a simbologia correspondente, se encontra associada à "Nobreza".
Do lado poente avista-se a Foz

Palacio de Cristal- poente

Fotos: manueladlramos 2004.12

anteriormente tínhamos oferecido uma bem triste perspectiva deste lado: fica na zona abaixo do patamar que aqui se vê adornado com um pequeno jardim romântico a que nem falta uma gruta com fetos e água a escorrer. Ao centro, na fotografia, destacam-se duas criptomérias quase escondendo uns sobreiros.
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A faia pseudo-mutante


Fotos: ver 0412 - Jardim Botânico de Glasgow


Conversámos tanto sobre esta faia (à direita na primeira foto) que ela bem merecia o destaque de ficar sozinha na montra. Ficou a dúvida: coalescida ou mutante-regressiva? (Sabe bem enrolar na língua palavras como estas, atestados de sabedoria que obrigam quem as ouve a socorrer-se furtivamente do dicionário...) Indiscutível é que sofre de uma indefinição de personalidade que se traduz num fenómeno inédito em faias: tem algumas folhas normais, outras típicas do cultivar asplenifolia e, a julgar pela foto, outras intermédias entre essas duas formas.

À nossa correspondente em Glasgow (que está de visita ao Porto e tivemos o gosto de conhecer ontem pessoalmente) um muito obrigado por ter partilhado esta árvore connosco.

27/12/2004

Especiarias

«Quando os mongóis e os turcos interromperam o suprimento por terra dos condimentos do Oriente, a era dos descobrimentos começou. A Europa descobriu que não podia viver sem tempero e lançou-se ao mar e à conquista de rotas alternativas para o cominho e, por acidente, outros mundos. (...)

Toda a grande aventura imperial foi aromática, tangida pela pimenta e o gengibre, a hortelã e a noz-moscada. Homens rudes lançavam-se contra o desconhecido e a morte pelo rosmaninho. Navios inteiros eram tragados pelo mar e deixavam, na superfície, irônicas sopas de ervas. Até a poluição era inocente: se se rompesse um porão de navio, as praias se cobriam de grãos de mostarda, as gaivotas se intoxicavam com favos de baunilha. (...)

A especiaria de hoje é a droga. (...) O apetite servido é pelo delírio, não mais pela noz-moscada, e a carga viaja escondida. Quem transporta drogas é chamado de "mula" e há no apelido uma vaga evocação das caravanas do Oriente que enfrentavam bárbaros e ursos - em vez de fiscais de alfândega - só para dar uma sensação à Europa.»

Luis Fernando Verissimo, A mesa voadora (2001)

26/12/2004

Os nomes das árvores- Canela

Há muitas espécies de árvores cujo nome é simplesmente canela ou canela qualquer coisa. O dicionário Houaiss, por exemplo, lista nada menos do que 86 termos em que aparece o vocábulo (ressalvemos todavia que alguns designam a mesma árvore ou arbusto.) Quase todas estas "canelas" pertencem à família das Lauráceas (Lauraceae) que agrupa árvores com madeiras aromáticas (e por vezes também fétidas), e aos géneros Cinnamomum, Cryptocarya, Ocotea, Nectandra e Persea.
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A canela da nossa doçaria, a que entrava no rol das especiarias que levaram os europeus a largarem rumo ao Oriente, e que motivou Sá de Miranda (1481-1558) a reclamar na sua famosa tirada :
«Não me temo de Castela
Donde guerra inda não soa,
Mas temo-me de Lisboa,
Que ao cheiro desta canela
O Reino nos despovoa.»
essa pertence ao género Cinnamomum, e é da espécie Cinnamomum zeylanicum, como já aqui aliás foi referido.
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A origem do nome vulgar da canela é muito simples de entender e transcreve-se na íntegra o que escreve José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Livros Horizonte, 1967, 2ª ed.) : «Canela: Árvore. De cana. Na origem é diminutivo do lat. Canna, "junco, canudo", pois a casca ressequida da árvore toma a forma de pequenos canudos. Séc. XVI em P.M.»
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Conquanto actualmente não seja usual, a esta especiaria também se costumava chamar canela-da-Índia, canela fina e canela-da-Rainha; esta última designação «dever-se-à ao facto da Infanta D. Maria (neta do Rei D. Manuel), mulher culta ligada à literatura e à culinária, ter utilizado esta especiaria em receitas que compilou no seu famoso livro de cozinha, nos finais do séc. XV/início do séc. XVI. O livro de cozinha da Infanta D. Maria.*» segundo escreve Cremilde C. Barreiros em "Lisboa Arte e Canela".
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Fotos manueladlramos 0112 - Alguma doçaria tradicional da quadra natalícia em que se usa canela.
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Quanto à razão de ser do seu nome científico, o termo que designa o género, Cinnamomum - e que dá origem por ex. ao vocábulo inglês cinnamon -também se deve ao modo como mais vulgarmente contactamos com esta planta: os canudos ou rolinhos do seu ritidoma. Segundo Jacques Brosse : «Cinnamomum: du grec Kinnamómon, de Kineien, "enrouler", a- "privatif" et mômos "défaut", car la plante n'était connue en Grèce, que par les petits rouleaux d'écorce aromatique de cannelier qu'on y emportait; ce mot était lui-même une déformation du nom hébreu de la cannelle, kinnemom.» (in Larousse des Arbres et des Arbustes. Paris : Larousse - Bordas, 2000)
Gernot Katzer na sua página dedicada à esta espécie de canela acrescenta :«(...) it is, however, possible that the word is ultimately loaned from an early Malaysian language, cf. the modern name kayu manis "sweet wood" in Malay and Indonesian ».
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Já o designativo da espécie, zeylanicum fala por si: de Ceilão (que desde 1972 se chama Sri-lanka). Lembremos a referência à origem desta especiaria, na estrofe 14 do "Canto IX", dos Lusíadas:
«Leva alguns Malabares, que tomou
Per força, dos que o Samorim mandara
Quando os presos feitores lhe tornou;
Leva pimenta ardente, que comprara;
A seca flor de Banda não ficou;
A noz e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, co a canela
Com que Ceilão é rica, ilustre e bela
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A origem geográfica (apesar da planta crescer abundantemente noutros locais como enumera Mrs. M. Grieve no seu famoso Modern Herbal: «Malabar, Cochin-China, Sumatra and Eastern Islands. Has also been cultivated in the Brazils, Mauritius, India, Jamaica, etc.. ») é também a razão de ser para a designação de Canela-da-Índia.
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Como já se referiu, há muitas outras espécies de árvores em cujo nome aparece o termo canela (sobretudo no Brasil), e dentro do próprio género Cinnamomum (que inclui cerca de 200 espécies) a C. Zeylanicum não é a única usada em culinária. Aliás nada nos assegura que a canela que compramos no supermercado, na mercearia ou a que (na minha opinião indevidamente) nos fornecem com o café para servir de colher, não seja, por exemplo, canela-da-China ou cássia-aromática (Cinnamomum cassia) que, segundo os entendidos, apesar de ter os mesmos constituintes e propriedades, é de qualidade inferior.
Mas se realmente quiser saber mais sobre os nomes (e não só) da(s) canela(s) inebrie-se com Gernot Katzer's Spice Pages, o melhor site sobre especiarias da internet, "ever"!
O que aqui lhe trouxemos é meramente um cheirinho...
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*Sobre estes manuscritos originalíssimos (e as suas modernas edições) ver:
As certidões de nascimento da cozinha portuguesa

25/12/2004

O Natal na Sala e na Cozinha


Fotos: pva 0412 Porto - caneleira (Cinnamomum zeylanicum)

Para este postal estava reservado um tema que, visto do ângulo apropriado, era irrepreensivelmente natalício. Fazia um paralelo entre a flora exótica e a fauna também exótica: a flora exótica era representada pelo eucalipto que, vindo da Austrália, por cá se instalou de forma tão avassaladora; a fauna pelo Pai Natal, que de tal modo se multiplicou em Portugal (e em especial no Porto) que acabou por extravasar dos centros comerciais para desfiles de rua.

Mas, embora um tal tema fosse natalício, talvez o seu espírito fugisse à tolerância e bonomia próprias da Quadra. Daí que resolvêssemos pôr de lado a analogia entre o eucalipto e o Pai Natal (que só mencionámos para que, se alguém desenvolver o tema antes de nós, fique registada a nossa prioridade) e tenhamos optado por assunto menos controverso.

Preocupou-nos, em textos e imagens anteriores, sobretudo a face exterior do Natal: as suas cores, os seus enfeites. Ora, é sabido que o Natal não é só isso: além das luzes a piscar e da troca de prendas, há também o que se come. A festa vistosa não nos deve fazer esquecer todo o trabalho de preparação que a sustenta; a sala colorida de luzes, com a lareira a crepitar e a mesa farta de iguarias, não poderia existir sem a cozinha. Por isso, tendo aqui falado de árvores de Natal, que se limitam a exibir-se à nossa admiração, seria imperdoável esquecermos as árvores que na cozinha dão o corpo ao manifesto.

Imaginem como seria insípido e inodoro um Natal sem canela. É pois de inteira justiça o destaque que hoje aqui lhe damos, com uma foto de corpo inteiro de um jovem exemplar de caneleira (Cinnamomum zeylanicum) e um grande plano da sua folhagem luzidia, de tom verde-limão. Embora as folhas, quando esmagadas, libertem o inconfundível cheiro a canela, não é delas que se extrai esse condimento, mas sim da casca da árvore.

"Natal à Beira-rio"


Foto: mdlr o4o4 - ramagem de abeto (Abies spp.)
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É o braço do abeto a bater na vidraça!
É o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
a trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado...
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Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
mais da terra fazia o norte de quem erra.
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Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia!
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David Mourão-Ferreira, Cancioneiro de Natal (1971)
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24/12/2004

Madeiro do Natal

«Noite geralmente fria, árvores descarnadas a erguerem os braços para o céu, campos desertos, caminhos sem viandantes (a não ser os que à última hora recolhem a pátrios lares), a véspera de Natal tem não sei quê de unção, de poesia, que a todos, cristãos ou livres-pensadores, crentes ou ateus, faz reunir, vindo das maiores distâncias, no conchego e convívio santo da família.
E o nosso povo, mantedor fiel de velhas e lindas tradições, vai ainda hoje, para honra e louvor do Menino Jesus, e para que os pobrezinhos tenham onde se aquecer, colocar no adro da Igreja grandes troncos de árvores que arderão, e morrerão em vivo braseiro, durante o ciclo do Natal.
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Em Castelo-Branco, como em grande número de povoações da Beira-Baixa, são os rapazes que, aproveitando o primeiro carro de de bois ou de muares que se lhes depara na via pública, fazem os transportes de madeiros.
Em Idanha-a-Nova, são as mordomias de São João, do Espírito Santo, etc. que, enfeitando os carros dos bois com grandes fitas multicolores, entre vivas aos santos da sua devoção, e acompanhados de uma grande caldeira de cobre ou de uma cântara cheia de vinho de onde todos bebem por um copo de lata ou de esmalte com asa, vão carregar grandes troncos de velhas árvores que hão-de arder no adro da Igreja ou junto das das capelas daqueles santos.
Em Castelo-Branco e em Idanha-a-Nova, como em todas as localidades que pertencem ao bispado de Portalegre, durante toda a noite de Natal, especialmente à entrada e saída da missa da meia-noite, ou "missa do galo", não cessa a romaria ao madeiro, sucedendo-se uns aos outros, alegres grupos a entoar, com a canção que se segue, hosanas ao Salvador
» (Segue-se a transcrição da conhecida canção em que uma das quadras se inicia com o verso "Entrai pastores entrai..." ) DIAS, Jaime Lopes - Etnografia da Beira. Câmara Municipal de Idanha-a-Nova : 1991 *, vol 1 pp.155-6
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«Em Louriçal do Campo queima-se na noite de Natal, o madeiro que segundo velho costume, deve ser roubado.
Para que se não saiba quem o rouba, as vacas e os bois que puxam o carro que o transporta vão cobertos com mantas, e os homens encapuçados. Ao atravessar a povoação, os homens carregam-se de pedras para, se alguém aparecer às janelas, o apedrejarem e obrigarem a recolher-se.» Id., vol 5, p. 53
*Edição facsimilada da edição de 1944 -Lisboa: Torres &C.ta- Livraria Ferin, 11 vols.
(nota 1: a referência ao autor das notáveis xilogravuras que ilustram esta obra ficará para depois já que não encontro o local onde registei o seu nome... ; nota 2: o jornal Público de hoje também refere a tradição associada à queima do Madeiro)

23/12/2004

Alternativa -Colar aromático

Ainda faltam algumas prendas? Não tem pachorra para ir para o meio da confusão?
Então faça como eu: dê um salto ao eucaliptal mais perto. Sinta o aroma balsâmico! Os eucaliptos estão em flor e o chão encontra-se atapetado pelos frutos que caíram das árvores, a maior parte deles sem o opérculo característico. Apanhe uns tantos, mas tenha cuidado em escolher os verdinhos e maleáveis.
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Fotos: mdlramos 0412 - Eucaliptus globulus- Parque da Cidade (Porto)

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Agora vai precisar de uma agulha grossa, de uma linha resistente, de um dedal e de uma tesoura. Se levar este material consigo, tanto melhor, se não, fica para TPC.


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Espete a agulha na parte central dos frutos e, apoiando a ponta verticalmente, empurre com o dedal. A agulha entra facilmente: pode enfiar muitos frutos ou poucos, entremeando ou não com alguns opérculos, dando nós, enfim... a possibilidade das variações depende da imaginação, do material disponível e do tempo. Mas mesmo um colar simples já produz um belo efeito, exala um perfume divino e faz uma prenda apetecível! Eu adorava que me dessem um! (Já que vou oferecer os que fiz...)

Se o seu eucaliptal mais à mão é o do Parque da Cidade do Porto, e se ainda assim não tem as prendas todas, pode sempre passar pela Loja do Comércio Justo situada no Núcleo Rural do Parque. Ao menos aí gasta o seu dinheiro, em princípio, de uma forma mais justa e solidária.

Estrela de Natal


Fotos: pva 0412 - Jardim Botânico do Porto

Apreciámos já várias candidatas a "árvore-de-Natal", espécies que se destacam por naturalmente se fazerem acompanhar das respectivas bolinhas. A planta da foto traz o enfeite que faltava: uma estrela, de um vermelho natalício que faz empalidecer o dourado das outras. Parece feita de folhas que nasceram afogueadas, como labaredas em estado sólido. Está a tornar-se entre nós planta típica de Natal, embora não goste de frio. Daqui a uns anos, e tal como aconteceu noutros tempos com pinheiros, abetos e piceas, teremos nos nossos jardins alguns destes arbustos já com bom porte?

Conhecida vulgarmente por estrela-de-Natal ou poinsettia - em homenagem ao naturalista J.R. Poinsett, primeiro embaixador americano no México, que divulgou no século XIX as qualidades ornamentais desta planta - é um arbusto mexicano que pode atingir 3 metros de altura, da família das euforbiáceas, de que o Jardim Botânico do Porto contém um exemplar bem desenvolvido no canteiro das suculentas. No inverno formam-se brácteas rubras, que lembram folhas, em volta de flores pequeninas de cor amarela, sem dúvida um modo caprichoso mas económico de se embelezar. O nome científico é Euphorbia pulcherrima; o epíteto específico, superlativo do latim pulchru (belo), alude à formosura deste arbusto quando em floração. Esta ocorre em resposta à duração dos dias, beneficiando das noites longas próximas do solstício de Inverno. As flores pouco duram depois de desabrocharem; as brácteas podem manter-se coloridas por vários meses.

E aqui está uma planta que se veste a preceito para a nossa festa, calorosa como um abraço.

22/12/2004

Excurso - as magnólias já estão a florir

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Foto: mdlr 04.12.22 - Magnolia spp. (Rua do Lidador, Porto)
Sabíamos que estavam aí para breve, o poema já o anunciara... Entretanto, ei-las que começaram a florir!
(Excurso, porque pensava que só me ia ocupar de árvores de Natal e afins...;-)
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Apontamento sobre o solstício

Com o solstício ("sol stare") de Dezembro, ontem dia 21, precisamente às 12:42 - segundo informa o Obervatório - o Sol encontrou-se no seu ponto mais a Sul do seu caminho anual no céu e foi o dia mais curto do ano, ou vendo as coisas pelo outro lado, a noite mais longa.
No nosso calendário começou oficialmente o Inverno. No calendário tradicional Chinês (que muito e há muito me apraz) na sua divisão do ano em 24 períodos >, ontem foi o pico do Inverno que já tinha começado em Novembro (ca. dia 7). A partir de agora os dias começam a crescer...
(I like the idea! ;-)
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A árvore de Natal da Nova-Zelândia

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Foto mdlr 0406 - Metrosideros excelsa em flor (Foz)
A propósito da quadra natalícia, recuperámos esta fotografia (q. por coincidência, foi a primeira entrada no blog) da floração de um metrosídero. Enquanto por cá, estas árvores florescem entre Junho e Julho, na Nova Zelândia de onde são originárias, cobrem-se das suas magníficas flores entre Novembro e Janeiro. Os primeiros colonos usaram-nas para decorar as suas casas durante as festas do Natal e do Ano Novo e desde então esse costume manteve-se, razão por que chamam aos metrosíderos a "Árvore de Natal da Nova- Zelândia".
Ver Metrosidero em Flor - Passeio Alegre

21/12/2004

A Senhora da Abadia anda no seu pinheiral

Docemente, pela mão da Senhora da Abadia, entramos também na quadra do Natal e vamos colher pinhas no pinheiral...
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«A senhora da Abadia
Anda no seu pinheiral
A apanhar as pinhas verdes
Para a noite de Natal.
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A Senhora da Abadia
Diz que m'há-de dar o dote.
Se m'o há-de dar na vida.
Dê-mo na hora da morte.
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A Senhora da Abadia
Tem uma fita no braço,
Que lhe deram os anjinhos
A vinte e cinco de Março.
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No concelho de Amares ergue-se o santuário de Nossa Senhora da Abadia, célebre entre os mais célebres de toda a província. Está situado em Bouro, no declive de uma ramificação da serra do Gerês. » (in Alberto Pimentel, As Alegres Canções do Norte. Lisboa : Livr. Viúva Tavares Cardoso, 1905, p.175)

Gota d'água


Foto: mdlr 02 folha de Tropaeolum majus

EPIGRAMA N.º 5

Gosto da gota d'água que se equilibra
na folha rasa, tremendo ao vento.

Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.

Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exacto.

E a folha é um pequeno deserto
para a imensidade do acto.

Cecília Meireles, Viagem (1939)

20/12/2004

Japoneira na horta, camélias nas couves


Foto: mdlr 0412- Ramalde (Porto)
Por cá, não é só em jardins requintados que há japoneiras -também as vemos em quintaizitos remendados, como este, sobrevivendo em Ramalde.
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19/12/2004

5 ideias falsas sobre as "podas" radicais ou rolagens

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A propósito das "podas" radicais, ou "rolagens" praticadas em locais públicos e privados por pessoas sem formação, aconselha-se a leitura do texto de Dr. Francisco Coimbra "Se as árvores falassem"*, de que aqui se publicam alguns excertos:
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«As árvores que dignificam as nossas praças e avenidas e embelezam os nossos jardins e parques são um elemento essencial de qualidade de vida, autênticos oásis no "deserto" que são tantos dos nossos espaços urbanos actuais. E, no entanto, é por demais evidente a ainda quase absoluta ausência de sensibilidade para o papel da Árvore em Meio Urbano. (...)
De facto, é inacreditável como certos preconceitos sobre a poda de árvores ornamentais estão arreigados nos responsáveis pela sua gestão e manutenção. É frequente ouvirmos dizer, como justificação, que as "podas" radicais, ou "rolagens", rejuvenescem e fortalecem as árvores, ou que são a única forma económica de controlar a sua altura e perigosidade... quando, na verdade, devia dizer-se de uma poda o mesmo que de um árbitro: - tanto melhor quanto menos se der por ela! (...)

1. A poda drástica rejuvenesce a árvore?- NÃO! (...) O facto de, após uma operação traumática, as árvores apresentarem uma rebentação intensa- como tentativa "desesperada" de repor a copa inicial - não significa rejuvenescimento, mas sim um "canto-de-cisne", à custa da delapidação das suas reservas energéticas.(...)

2. Fortalece-a? - NÃO, a poda radical é um acto traumatizante e debilitante, uma porta aberta às enfermidades. (...)

3. Torna-a menos perigosa? -NÃO, estas "podas" induzem a formação, nos bordos das zonas de corte, de rebentos de grande fragilidade mecânica, pois têm uma inserção anormal e superficial no tronco. (...)

4. É a única forma de a controlar em altura? - NÃO, a quebra da hierarquia -que estava estabelecida entre os ramos naturalmente formados - permite o desenvolvimento de novos ramos de forte crescimento vertical, mas agora de uma forma desorganizada e muito mais densa! (...)

5. É mais barata? - NÃO, se a gestão do património arbóreo for pensada a médio e longo prazo! (...)»

* «A propósito das "podas" da Avenida Dr. Manuel Lousada... SE AS ÁRVORES FALASSEM!!!", Artigo publicado no Jornal da Mealhada de 27.03.2002 , por Francisco Coimbra (ex- Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Arboricultura(SPA), e é Consultor em Arboricultura Ornamental (ver: "árvores & pessoas - gestão da árvore no espaço urbano, Lda.").

Ler versão mais completa aqui
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A máquina zero


Foto: pva 0412 - Massarelos - Porto

Ao fundo corre um rio Douro de cor pálida e desenha-se a traço leve o arco do viaduto do Cais das Pedras, obra de 1998 que, ligando a margem direita do rio a ela própria, oferece aos automobilistas encravados no trânsito uma vista panorâmica do arruinado casario de Massarelos. Tirada dos jardins do Palácio de Cristal, a foto mostra a nova ruína que agora mancha a mesma paisagem: estes tristes espantalhos - que, no tempo em que eram árvores, respondiam pelo nome de choupos - são obra recente da nossa Câmara, ou de alguém por ela autorizada. Como é possível fazer-se isto? Regressámos no Porto às podas municipais de má memória? Mais valia que tivessem arrancado todas as árvores, em vez de as deixarem reduzidas a destroços sem dignidade e sem préstimo.

18/12/2004

Reciprocidades

Como nós habitante do Porto, cidade surpreendente , agora em versão blog?
(Este post já vai na sua terceira versão... será a última?;-)

Árvores do Jardim do Carregal #5


Foto: pva 0411 - Carregal - Sequoia sempervirens

Além da sequóia-gigante (Sequoiadedron giganteum) de que falámos anteriormente, o Jardim do Carregal possui quase duas dezenas de exemplares de outra espécie aparentada: a sequóia-sempre-verde (Sequoia sempervirens). Estas duas árvores da família Taxodiaceae são originárias da Califórnia e destacam-se ambas pelas dimensões recordistas que atingem nos seus territórios de origem: a sequóia-gigante é a árvore mais volumosa que se conhece, e a sequóia-sempre-verde é a mais alta. A actual detentora do título de árvore mais alta mede 112 metros e mora na Reserva Estadual de Montgomery, na Califórnia; conforme aqui se conta, a sua identificação exacta é mantida tanto quanto possível em segredo, não vá o afluxo descontrolado de turistas danificar a árvore e perturbar o equilíbrio do seu habitat.

Tirando a semelhança dos troncos (avermelhados, fibrosos, profundamente sulcados) e a forma piramidal que ambas exibem, estas duas espécies de sequóias são marcadamente distintas: as ramadas da sequóia-gigante curvam para cima, as da sequóia-sempre-verde são pendentes; e as folhas desta última são semelhantes às do teixo, distribuindo-se ao longo dos raminhos em dois renques paralelos e opostos.

Ao contrário da sua conterrânea, a Sequoia sempervirens aclimatou-se bem ao nosso país e é frequente encontrá-la em parques e jardins. Os exemplares no Jardim do Carregal não se distinguem pela imponência: são árvores mirradas, vegetando em condições que lhes são desfavoráveis. Noutros locais do Porto (por exemplo no Jardim Botânico e no Parque de Serralves) encontram-se sequóias com melhor desenvolvimento; mas, saindo da cidade, há por cá vários locais onde elas vão fazendo algum jus à sua fama: na Mata do Buçaco (onde Ernesto Goes assinalou em 1984 a que lhe pareceu ser a maior do país, então com 45 m de altura), no Parque das Termas de Vizela (com numerosas árvores adultas a disputar o título à do Buçaco) e no Parque da Pena, em Sintra.

Anteriores na mesma série: #1, #2, #3, #4

17/12/2004

Lusco-fusco de Inverno

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foto mdlr 0312 / Jardim da Cordoaria - plátanos; araucária-da-Austrália; sequóia gigante
Depois das cores de Outono, um quase lusco-fusco de Inverno.
Hoje o céu, por cá, até está azul, mas tal não se verificava há precisamente um ano, quando foi tirada esta fotografia. Nela se vêem algumas das árvores mais notáveis do Porto destacando-se por entre a ramagem dos inconfundíveis plátanos: a Araucaria bidwilli de que já aqui se falou, e a sequóia-gigante (Sequoiadendron giganteum) também já mencionada a propósito de uma sua congénere do Jardim do Carregal.

16/12/2004

A faia em quatro novas lições



Fotos: pva 0411-0412 - Fund. Eng. António de Almeida e Serralves

No tempo em que a ludo-pedagogia não dominava exaltava-se o valor didáctico da repetição, e daí que muitos portugueses acima dos trinta ainda saibam recitar a tabuada ou consigam calcular o troco de cabeça. Da repetição, argumentava-se, acabaria por nascer a compreensão: de tanto insistir que 9x8 = 72, alguma vez, num relâmpago de inspiração, se iriam perceber as razões profundas de tão estranho resultado.

aqui falámos da faia: da sua robustez elegante, da sua fidelidade como repositório de afectos gravados, das cores outonais da sua folhagem. Mas, com a sucessão dos dias, os textos antigos são empurrados para o fundo da página até adormecerem no arquivo. Desfilam novos assuntos, novas árvores; porém a faia continua a deslumbrar-nos. Por isso a recapitulamos em quatro novas lições ilustradas: à força de a repetirmos ela há-de fazer parte de nós, e então talvez a possamos compreender.

15/12/2004

'Oliveiras-lulu'

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A propósito da entrada anterior, Os fícus do Senhor...cretino, não resisto a ir buscar aos arquivos de Agosto estas 'Oliveiras-lulu' em 'espaço verde' (Silves) .

Como diz o PVA num comentário: "Quem dera que as oliveiras ladrassem como os lulus de verdade e mordessem as canelas de quem lhes infligiu tal "penteado".
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Os fícus do Senhor

«A cretinice é uma árvore chamada fícus. Um jardineiro sádico, de instintos miseráveis - um jardineiro que era bem, na sua crueldade e mesquinhez, o perfeito rei dos animais - inventou a degradação do fícus. Eis uma árvore. Se a deixais crescer, ela cresce. Não vos pede ajuda - quer apenas a terra, a água, o ar - e vai crescendo. E o tronco se projecta alto e grosso da base de um encordoamento enérgico de raízes encravadas no chão, e os galhos partem oblíquos, e vão lançando ramas, e eis uma árvore nobre entre as mais nobres, grande, bela e poderosa.

Mas o fícus é apenas um arbusto - e o mesquinho rei dos animais e dos vegetais tem uma tesoura na mão. Esse arbusto jamais será uma bela árvore. Ide à Praça Paris, olhai o jardim, e tremereis de vergonha. Ali não há árvores. Há cubos, há caras de cão, pirâmides, paralelepípedos, poltronas, esferas; se quiserdes haverá telefones, sopeiras, cilindros, (...) - tudo o que quiserdes. Basta ter na mão uma tesoura - e saber.

Escrevendo outro dia a um velho amigo me ocorreu lembrar que os animais se domesticam facilmente com um chicote na mão direita e um torrão de açucar na esquerda. Os vegetais querem tesoura e estrume. (...)

Para uns é preciso que o chicote entre na carne, para outros basta que sibile no ar - para muitos basta que o chicote exista. Uns se jogam de quatro para lamber farelos de açucar preto, outros recebem com ares de dignidade alvos tabletes refinadíssimos, uns se limitam a ficar mansos, outros aprendem proezas e dão espectáculos graciosos. (...) E a floresta magnífica de homens se muda em praça paris com sofás de fícus e caixas de pó-de-arroz de fícus, guarda-chuvas de fícus, toda uma alucinação idiota de formas obedientes e escravas - de fícus.

Cortais a tesoura e serrote as folhas e palmas de uma palmeira, cravai-lhe no tronco o machado - ela não vira borboleta, nem vaso, é uma palmeira que morre, uma coluna partida, pois a árvore mutilada guarda a dignidade de árvore. (...) Há homens assim. Há os que se adaptam mas não se acostumam, se submetem mas não se servilizam, os vencidos jamais convencidos. E há os fícus. Os que poderiam ser gigantes, e gostariam de ser gigantes e sentem com amargura e revolta o primeiro corte da tesoura. Mas o tempo passa, a vida é curta e a tesoura é certa. Então o desgraçado já não espera a tesoura. Ele mesmo fica sendo sua própria tesoura. (...)

Que as forças mais profundas da terra se revelem numa espantosa arrebentação, num terramoto de raízes revoltadas, e a floresta dos homens se embeba com os uivos do vento e as águas da tempestade, e se contorça e se enfureça num bracejar medonho de galhos subitamente libertados e caia por terra, pisado, esmagado, o rei da tesoura e do estrume, do chicote e do torrão de açucar.»

Rubem Braga, Um pé de milho (1946)

14/12/2004

Pinheiro manso (Loivos)- Árvore classificada

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Pinheiro manso (Pinus pinea) centenário, no lugar de Barroca, freguesia de Loivos no concelho de Chaves, classificado como árvore de interesse público em 1953.
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Situado ao km 118,3 da estrada Vidago-Loivos, este pinheiro manso tinha (segundo documento* da Direcção Geral das Florestas, de 1995) uma altura total de 13 metros e um diâmetro de copa de 29 m.
Por curiosidade refira-se que a pessoa que aparece na 1ª fotografia mede cerca de 1 m. 55 .
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Obs.: Em Setembro do ano passado (2003) os terrenos circundantes estavam invadidos por Ailanthus.




*Árvores isoladas, maciços e alamedas de interesse público, Lisboa : Instituto Florestal, 1995

13/12/2004

Provérbios - folha, folhinha

  • Ao cair da folha morre muita gente.
  • Folha caída, esperança perdida.
  • Folha seca sabe cortar.
  • Folhinha e noivado só prestam um ano.
  • Formiga sabe a folha que rói.
  • Muitas vezes a má folha esconde o melhor fruto.
  • Quem se abraça debaixo da folha, três vezes se molha.

Outros provérbios

12/12/2004

Antologia do Porto



Fotos: pva 0410/0412 - camélias no Porto

Somos folhas breves onde dormem
aves de sombra e solidão.
Somos só folhas e o seu rumor.
Inseguros, incapazes de ser flor,
até a brisa nos perturba e faz tremer.
Por isso a cada gesto que fazemos
cada ave se transforma noutro ser.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos (1948)