A dança da borboleta
Foto: pva 0411 - Serralves - Prunus x subhirtella 'Autumnalis Rosea'
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«Entro agora no meu jardim, quase solenemente, quase com o recolhimento religioso de quem entra num santuário: vou em procura de impressões que possam registar-se nestas páginas.
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Feliz do homem solitário que, como eu, encontra ainda num jardim recreio ao seu espírito, que se deleita na cultura de dois palmos de terra, que cuida por suas mãos das plantas, que vê com prazer o ínfimo rebento desenvolver-se em folhas e flores. Este homem não está só; acha-se, pelo contrário, cercado de amigos; nem a reclusão lhe empederniu o sentimento, porque quem ama as plantas crê em alguma coisa, crê, pelo menos, na harmonia universal e na justiça dos destinos; e, se sofre, encontra nestas crenças consolação inefável às angústias da alma dolorida.
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O meu jardim tem uns trinta metros quadrados de extensão. É, pois, um arremedo de jardim; mas eu avalio-o em trinta quilómetros quadrados, em trinta milhões de quilómetros quadrados, em muito mais ainda, levando em conta os limites de distância por onde o pensamento me viaja, quando me demoro a contemplar um arbusto, a admirar uma florescência, embalando-me os diferentes aspectos das coisas em divagações que não têm fim...»
Wenceslau de Moraes, in O Bon-Odori em Tukushima (1914), O Comércio do Porto (1915) e O Independente (2004)
1 comentário :
Que texto enternecedor de mais um grande esquecido dos nossos, caso notável de adesão a uma cultura completamente diferente da sua de origem. Pelo culto da Língua,contudo,nunca deixou de ser português.
Com Fernão Mendes Pinto, Camilo Pessanha e, claro, Luís de Camões, forma Wenceslau de Moraes uma digna embaixada nossa no Oriente do Oriente, lugar onde, aliás, nunca nos confundem com os Espanhóis.
Boa evocação a encerrar o que deveria ser um proveitoso e geralmente comemorado dia patriótico, tão tristemente ignorado.
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