26/01/2019

Lavanda de Tenerife


Lavandula minutolii Bolle



As lavandas, ou alfazemas, são muito acarinhadas em jardins pelo seu perfume e elegância. Também a macieza das folhas convida ao toque, e se as apertarmos entre os dedos ficam eles impregnados de uma breve fragrância. Contudo, nem todas as lavandas reúnem este conjunto de predicados, e algumas das mais bonitas são penalizadas por um défice de perfume. É o que sucede às espécies endémicas das ilhas Canárias, que apresentam atraentes folhas pinadas, geralmente felpudas, de um tom verde acinzentado, mas são quase sempre plantas inodoras. Vivem em substratos rochosos e estão habituadas à secura, aproveitando a amenidade do clima para florir de Janeiro a Dezembro. Em Portugal continental, temos nas falésias da Arrábida uma representante miniatural da mesma estirpe de lavandas, a Lavandula multifida, e à ilha da Madeira coube a L. pinnata, que também aparece em Lanzarote.

São três as lavandas nativas de Tenerife: a Lavandula buchii é endémica dessa ilha; a L. canariensis aparece em todo o arquipélago; e a L. minutolii (representada nas fotos) é partilhada apenas com a vizinha Grã Canaria. A L. minutolii, cuja distribuição em Tenerife se concentra no maciço de Masca, a oeste de Santiago del Teide, é uma planta pubescente (a L. canariensis é quase glabra) cujas folhas não são carnudas, contrastando com as folhas prateadas da L. buchii. A Lavandula minutolii de Tenerife pertence à variedade tenuipinna, diferente da que ocorre na Grã Canária por ter flores menores e folhas mais largas e divididas.

A estrada que vai de Buenavista del Norte a Santiago del Teide, passando por Masca, serpenteia entre taludes escarpados onde a natureza fez dispor autênticos jardins verticais. A flora endémica da ilha (suculentas pequenas e grandes, eufórbias arbustivas, lavandas) convida-nos a paragens que a estreiteza da via e o trânsito intenso tornam impossíveis. Aqui e ali, em algum miradouro apinhado de carros, lá conseguimos estacionar, virando costas à paisagem intensamente fotografada para respondermos ao apelo das plantas. Não são muitas as flores em Dezembro, mas as lavandas nunca faltam à chamada.

20/01/2019

Malva das falésias

A par das longas expedições científicas, só possíveis com o financiamento de reis ou mecenas, os botânicos dos séculos XVIII e XIX tinham um outro meio de, sem viajar, conhecer plantas de regiões longínquas: recebiam, de amadores ou naturalistas, plantas para herbários ou sementes que tentavam germinar. Exemplos profícuos deste tipo de cooperação científica à distância, que já aqui referimos, são o do Padre Miranda Lopes e os botânicos Gonçalo Sampaio, Júlio Henriques e A. X. Pereira Coutinho, e o do Padre Adeodat Francesc Marcet i Poal e os botânicos Joan Cadevall, Carles Pau, Pius Font i Quer e Sventenius.



Lavatera acerifolia Cav.


A história da chegada de sementes desta Lavatera endémica das Canárias ao Jardim Botânico de Madrid (JBM) resulta de mais uma instância desse intercâmbio, num tempo em que viajar era caro, demorado e quase sempre perigoso. O essencial é contado por Antonio J. Cavanilles em Observaciones botánicas y descripcion de algunas plantas neuvas, nas páginas dedicadas ao reyno vegetal dos Anales de Ciencias Naturales de 1803. E a primeira descrição desta espécie, que Cavanilles designou Lavatera acerifolia mas foi transferida para o género Malva em 1862 (embora nem todos os botânicos aceitem esta alteração), é precisamente a desse exemplar migrante, nascido a partir de sementes de Tenerife enviadas ao JBM por um tal Sr. Broussonet. O arbusto que assim se criou no Jardim tinha uns cinco pés de altura, ritidoma cinzento e folhas parecidas com as do Acer campestre. Cavanilles informa ainda que a floração decorreu entre Junho e Setembro, e que as flores são axilares, solitárias, de pétalas cordiformes de tom rosa-claro com a base mais escura, do centro das quais sobressai uma coluna púrpura de estames e anteras.

Os exemplares que vimos na estrada do Teno eram mais altos do que a planta descrita por Cavanilles e, em Dezembro, exibiam racimos terminais de flores de cor malva, por vezes brancas, com pedúnculo longo. De provável ascendência mediterrânica, a L. acerifolia cresce em lugares secos e soalheiros, especialmente em bosques termófilos e zonas rochosas entre os 200 e os 400 m com vista para o mar.

12/01/2019

Nomes emprestados


Ceballosia fruticosa (L. f.) G. Kunkel



Que fazer quando a diversidade de seres vivos excede a quantidade de nomes disponíveis para a designar? Os nomes científicos combinam mal com o falar corrente, e há quem congemine "nomes comuns" para que os leigos nunca desconfiem da insuficiência das palavras. Lidamos bem com categorias amplas, amalgamando na mesma designação vaga (como "mosca", "árvore" ou "musgo") coisas muito heterogéneas, mas quando tomamos consciência dessa heteregeneidade fazem falta nomes mais específicos. Para isso é legítmo reciclar nomes que, noutros lugares, são atribuídos a outras entidades. Por exemplo, o folhado nos Açores (Viburnum treleasei) é um arbusto completamente diferente daquele que tem o mesmo nome na Madeira (Clethra arborea). O mesmo sucedeu com a Ceballosia fruticosa, pequeno arbusto endémico das ilhas Canárias: no arquipélago é conhecido como duraznillo, mas (de acordo com o portal Anthos) esse mesmo nome é dado, na Espanha continental, ao Viburnum tinus e a duas humildes herbáceas, Polygonum salicifolium e Polygonum persicaria. Além de pertencerem ao reino vegetal, e de serem todas elas plantas terrestres, custa discernir grandes afinidades entre estas quatro espécies.

Falando nós um castelhano trôpego, preferimos o nome científico Ceballosia ao vernáculo duraznillo, afinal causador de confusão. Ceballosia, além de fácil de pronunciar, é um nome perfeitamente inequívoco, pois este arbusto canarino é a única espécie do seu género. É um nome relativamente recente, criado em 1980 pelo naturalista alemão Günther Kunkel (1928-2007), substituindo o arrevesado nome Messerschmidia fruticosa com que Lineu filho baptizou a planta em 1782. Outros autores incluíram-na em diferentes géneros, chamando-lhe entre outras coisas Tournefortia fruticosa e Heliotropium messerschmidioides. A lição que daqui podemos extrair é que, se o nomes vernáculos sofrem de imprecisão, já os nomes científicos de certas plantas problemáticas são instáveis e controversos.

Não é fácil apontar parentes próximos deste arbusto, mesmo numa família tão diversa e tão amplamente representada na flora europeia como a das boragináceas. O seu historial taxonómico pode contudo dar-nos algumas pistas. Com alguma boa vontade, reconhece-se que as minúsculas flores brancas têm certa semelhança com as do Heliotropium, género que na Europa inclui apenas plantas herbáceas, mas pode atingir porte arbóreo no sudeste asiático e nas ilhas do Índico e do Pacífico. E os arbustos do género Tournefortia, quase todos eles originários da América tropical, têm parecenças muito vincadas com a Ceballosia, a julgar por esta foto da mexicana Tournefortia acutiflora. Essa parecença, contudo, desfaz-se na frutificação, pois os frutos da Ceballosia (3.ª foto acima) são verrucosos e verdes (pretos quando maduros), e os da Tournefortia são bagas brancas.

Presente em todas as ilhas Canárias, em geral em zonas de baixa altitude próximas do mar, a Ceballosia fruticosa é um arbusto de ramos esguios que apresenta um aspecto frágil e desgrenhado. Atinge 1 a 2 metros de altura, e floresce durante quase todo o ano. Em Tenerife vimo-lo na estrada do Teno, e em Lanzarote é frequente no norte da ilha (em particular no Malpaís de La Corona) como acompanhante da tabaiba-doce.

06/01/2019

Crista de galo

Sendo o mundo vasto e a natureza pródiga, há muitas plantas que só conhecemos através de fotos. Uma alternativa a este conhecimento em dimensão 2 é a possibilidade de ver as plantas em jardins botânicos, onde as exibem com fins ornamentais ou pedagógicos. Por exemplo, os Kew Gardens têm uma colecção gigantesca de herbáceas, arbustos e árvores, talvez mais do que se pode ambicionar conhecer em pormenor numa vida. Tais jardins funcionam como os parques zoológicos, que enjaulam a selva em nome da conservação das espécies, e são muitas vezes o instrumento mais eficaz na preservação da biodiversidade. Em casos excepcionais, conseguimos passar deste conhecimento teórico, digamos, para o que realmente entusiasma os botânicos: ver a planta no seu habitat natural. Foi o que aconteceu com esta Isoplexis: vimo-la exuberante de flores, num mês de Agosto há uns anos, nos Kew Gardens; e revimo-la, em Dezembro de 2017, num bosque sombrio de laurissilva na serra de Anaga, em Tenerife.


Isoplexis canariensis (L.) J. W. Loudon


Dezembro? Mas a floração não decorre de Abril a Agosto? Pois sim, mas talvez não tenha sido apenas por sorte que uma planta ainda floria em Dezembro. Trata-se provavelmente de uma adaptação a novos polinizadores. Segundo algumas referências, o polinizador oficial da I. canariensis ter-se-á extinto nas Canárias (e a isso se atribuía a raridade desta planta), mas sabe-se agora que a I. canariensis tem outros visitantes, a quem agrada o tipo de néctar que ela oferece e se adequa um período mais longo de floração.

Vários autores consideram Isoplexis como uma secção do género Digitalis, onde Lineu colocou duas espécies de Isoplexis por notar a semelhança no formato das flores (apesar de as da Isoplexis terem um lóbulo grande superior e as da Digitalis terem-no inferior). Após algumas oscilações de opinião, foi finalmente decidido no início deste século, com base em estudos genéticos, manter Isoplexis como género autónomo.

Como já aqui referimos, há registo de apenas quatro espécies de Isoplexis: uma é endémica da Madeira (I. sceptrum); as outras são endemismos de algumas das ilhas Canárias (I. canariensis, I. chalcantha e I. isabelliana). Estão ainda na lista de retratos a visualizar em 3D.