Um funcho cabeludo
As piscinas do rio Homem, de água límpida escoando-se devagar entre grandes blocos rochosos, são um poiso favorito para quem no Verão demanda o Gerês em busca de frescura. Há que pagar (por duas vezes) um euro de portagem e fazer a pé os 700 metros desde a Portela do Homem, onde deixamos o carro, até à ponte sobre o rio, onde nos debruçamos para a foto obrigatória. O acesso às piscinas faz-se logo ali. Se o fôlego e o calçado o permitirem (andar de chinelos num caminho pedregoso e esburacado não é boa ideia), podemos subir umas centenas de metros pelo estradão dos Carris e alcançar uma piscina longe das multidões.
O vale do rio Homem é muito verde, mas os carvalhos, azevinhos, bétulas, pereiras-silvestres, medronheiros e tramazeiras vão-se fazendo esparsos à medida que subimos, até que predominam os matos de giesta, urze e carqueja. As rochas por onde o rio se espreguiça dão abrigo a uma vegetação herbácea e arbustiva rica em raridades: Amelanchier ovalis, Narthecium ossifragum, Vincetoxicum hirundinaria e, não menos importante, uma umbelífera, Ferulago capillaris, a que os mais distraídos chamarão funcho. Confusão compreensível atendendo às flores amarelas e às folhas muito recortadas, mas rapidamente desmentida pelo olfacto: o Ferulago capillaris não tem cheiro digno de nota. (Antes usar o olfacto do que o paladar: mordiscar uma planta que desconhecemos pode fazer mal à saúde.) Os olhos também podem contribuir para desfazer o equívoco: o funcho propriamente dito (Foeniculum vulgare) é uma planta esguia e desgrenhada, com umbelas muito mais ralas. O Ferulago capillaris, capaz de ultrapassar 1,5 m de altura, tem uma haste robusta e erecta, ramificada apenas na parte superior, que é encimada por várias umbelas, a principal das quais formada por 20 a 40 raios, cada um deles sustentando cerca de dezena e meia de flores.
Tão fácil de ver no vale superior do rio Homem, é uma surpresa aprendermos que este robusto pseudo-funcho talvez não ocorra em nenhum outro ponto do Gerês e que, fora do Parque Nacional, só se sabe dele em meia dúzia de lugares em Trás-os-Montes e na Beira Alta. Endémico da Península Ibérica, o Ferulago capillaris não abunda nem em Portugal nem em Espanha: no país vizinho é mais frequente na serra de Gredos, parte de cadeia montanhosa que tem o seu limite oeste na serra da Estrela. Do género Ferulago conhecem-se mais três espécies na Península Ibérica, todas elas endémicas: F. brachyloba, F. granatensis e F. ternatifolia. A crer nos mapas de distribuição no portal Anthos, são todas de distribuição muito restrita.