Cenoura à beira-rio
Eis uma umbelífera de ampla distribuição europeia e mediterrânica que, à partida, pouco tem para se fazer notada. Em Portugal, estando no limite da sua área de distribuição, é uma planta pouco vista, praticamente restrita ao quadrante nordeste do país. De seu nome Myrrhoides nodosa, vive em lugares sombrios, algo nitrificados, na proximidade de cursos de água, e não chama a atenção nem pelo porte (entre 30 e 100 cm de altura), nem pela floração (as umbelas são modestas, com dois a quatro raios, cada um deles sustentando meia dúzia de pequenas flores brancas), nem pela folhagem (semelhante à de muitas outras umbelíferas, em especial à do cerefolho). Contudo, quem olhar os detalhes não terá dificuldade em identificá-la se atentar nos pêlos brancos, longos e rígidos que revestem hastes, bractéolos, pedúnculos e frutos. Outro pormenor inequívoco é o inchaço do caule abaixo de cada nó, como se vê nesta foto.
Por preguiça ou conveniência, associámos a planta, no título deste escrito, à umbelífera de flor branca mais comum no nosso país: a cenoura-brava (Daucus carota). Não consta, contudo, que a Myrrhoides nodosa tenha usos culinários ou seja sequer comestível. Talvez decifrando-lhe o nome a consigamos inscrever numa linhagem prestigiada: Myrrhoides significa presumivelmente "semelhante à mirra". Referir-se-á à mirra que trouxeram os reis magos do Oriente? Não, é antes à Myrrhis odorata, uma umbelífera também de flores brancas, por certo olorosa, que não é espontânea em Portugal e que, na Península Ibérica, está restrita aos Pirenéus e à Cordilheira Cantábrica. A verdadeira mirra é extraída de uma pequena árvore, Commiphora myrrha, nativa de África e da Península Arábica — e com a qual, obviamente, a nossa Myrrhoides não tem qualquer afinidade. E mesmo esta associação espúria está em risco, pois há quem defenda a revogação do género Myrrhoides, ficando a nossa umbelífera a chamar-se Chaerophyllum nodosum.