15/02/2022

Madama de risco



Juraríamos que o deserto, seco, muito quente e sem uma brisa, é um ambiente hostil para qualquer planta ou bicho. Até aprendermos que há inúmeras espécies muito bem adaptadas a esse tipo de habitat, e que até nem querem outro. O nosso olhar, habituado a outro clima e a outras plantas, imagina as do deserto angustiadas de calor e sede, à beira da morte por desidratação. Coitadinhas, dizemos, de folhas com um tom verde baço a denunciar a fraqueza, inchadas e cheias de espinhos. E mal se aguentam, as infelizes, empoleiradas perigosamente nos penhascos.

Mas estamos enganados. O carácter suculento das folhas, aliado a raízes longas e bem espalhadas, mas pouco profundas, é um estratagema muito eficiente de captação e reserva de água, das breves chuvas ou da humidade nocturna, absorvida rapidamente antes que o solo seque sob o calor intenso. Naturalmente, o armazenamento de água nas folhas requer protecção dessas reservas, e um renque de espinhos bem colocado inibe qualquer animal sequioso; e, claro, viver numa escarpa de difícil acesso garante que se é menos incomodado. Finalmente, o verde acinzentado das folhas não é palidez de morte, mas uma boa opção para manter as plantas frescas, porque essa cor clara reflecte melhor o calor da luz.

Em épocas de menor humidade, as plantas destes habitats áridos largam a maioria das folhas, no que poupam água, ou adoptam um regime anual, apostando na produção rápida de sementes em vez de mais anos de vida. Outras há, porém, que se mantêm perenes e tolerantes à secura, mas estas têm folhas finas, organizadas em rosetas para gerirem bem a sombra, e cobertas por uma substância resinosa (mas translúcida, para não impedir a fotosíntese) que as protege de infecções e minimiza a perda de água por evaporação. Algumas accionam ainda um sistema engenhoso de abertura e fecho dos poros que, não impedindo a entrada de dióxido de carbono durante a noite, reduz a perda de água por transpiração durante o dia.

Allagopappus canariensis (Willd.) Greuter


Esta asterácea, endemismo das Canárias, ilustra bem a descrição anterior. Ocorre em La Gomera, Gran Canaria e Tenerife. Como se tivessem sido um dia excelentes alunas no deserto, as plantas desta espécie mantêm-se rentes ao chão até que os dias se tornem mais frios e a humidade persista. Depois, com vagar, vão dispondo talo acima as rosetas de folhas resinosas e, no topo, durante a Primavera, corimbos planos e densos de capítulos amarelos sem lígulas. O género, também endémico das Canárias, abriga outra espécie (Allagopappus viscosissimus), de que só se conhecem registos na Gran Canaria, com folhas ainda mais finas e margens inteiras mas perfil idêntico.

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