Cacto leiteiro
Já aqui falámos de um cacto que afinal não era cacto. Sem sair das Canárias, o mesmo fenómeno de um cacto que o não é pode ser testemunhado, a uma escala muito mais impressionante, um pouco por todo o arquipélago, sobretudo em zonas áridas perto do mar. A Euphorbia canariensis, assim se chama esta planta cactóide, é capaz de atingir três a quatro metros de altura, e as suas hastes arqueadas, desprovidas de folhas mas não de espinhos, formam grandes aglomerados que fazem lembrar candelabros gigantes. Cada haste tem geralmente cinco faces (às vezes quatro ou seis), com o picotado dos espinhos sublinhando as arestas de alto a baixo. O disfarce de cacto só deixa de ser convincente quando a planta está em flor, o que acontece entre Abril e Julho. Como é regra das eufórbias, as inflorescências são compostas por ciátios, estruturas em que as flores masculinas (reduzidas a estames) rodeiam uma única flor feminina (reduzida ao pistilo). Os ciátios da Euphorbia canariensis, de uma cor entre o vermelho e o castanho, são sésseis (sem pedúnculo) e surgem no topo das hastes, em grupos de três, acompanhando os espinhos. De todo desaconselhável é o manuseio destas plantas sem protecção dos olhos e das mãos, já que o látex leitoso que elas produzem é cáustico e venenoso. Claramente elas não têm a vocação de aplacar a sede a quem se perca no deserto, mas ao que parece a água dos genuínos cactos dos desertos americanos, embora muito menos tóxica, também não é bebida recomendável.
Potenciando a confusão, nas Canárias a Euphorbia canariensis é conhecida como cardón, nome que na América Latina se dá também a várias espécies de grandes cactos como o Pachycereus pringlei e o Stenocereus stellatus. Os matos xerófilos em que a Euphorbia canariensis é preponderante chamam-se cardonales, e funcionam como o contraponto espinhento dos tabaibales, onde quem manda é a Euphorbia balsamifera, uma espécie arbustiva inerme. Quando as duas eufórbias convivem, o que até é frequente, estamos em presença de um cardonal-tabaibal.
O cardón, ou Euphorbia canariensis, tinha tudo para ser o símbolo vegetal das Canárias: exibe uma forma atraente e inconfundível, é endémico do arquipélago, e é suficientemente abundante para ser visto e admirado por todos quantos visitam essas ilhas. Por um capricho qualquer, está ausente de Lanzarote enquanto planta espontânea (embora apareça cultivado em jardins), e o facto de não fazer o pleno das ilhas terá inviabilizado a sua candidatura a esse posto honorífico. Quem ocupou o posto, por decreto-lei do Governo das Canárias datado de 1991, foi a palmeira Phoenix canariensis. Para o cardón sobrou um prémio de consolação: o decreto que oficializou os símbolos do arquipélago fez o mesmo para cada uma das ilhas, e a Euphorbia canariensis ficou a ser o símbolo vegetal da Grã-Canária. (As nossas fotos, contudo, foram tiradas no Puertito del Sauzal, na costa norte de Tenerife.)