12/12/2019

Um rio de verdade



O Verão é uma época difícil para quem gosta de rios, sobretudo quando a estiagem os reduz a uma sucessão de piscinas estagnadas. Perspectiva diferente terão aqueles que os procuram como local de diversão e de banhos mais ou menos refrescantes: dão o dia por bem passado se não lhes faltar sombra de árvores e ainda tiverem água para chapinhar. Apesar de não termos o hábito de mergulhar, preferimos rios vivos e com fartura de água; quando o caudal emagrece vamos à nossa vida e aguardamos tempos melhores.

Travámos conhecimento com o rio Mente num mês de Julho de há quatro anos, caminhando ao longo do troço que separa os concelhos de Chaves e de Vinhais. Cruzámo-lo a pé sem que a água nos subisse acima dos tornozelos, aproveitando, numa atitude de desrespeito, a fraqueza hídrica de que o rio então padecia. Do lado de Chaves a vegetação tinha sido desbastada para produzir uma praia fluvial ao gosto popular. Um avô com quem metemos conversa lamentou que do lado de Vinhais, com mato e ervas crescendo ao Deus dará, não se notasse igual brio.

Voltámos meia dúzia de vezes para conhecer o rio em épocas de maior pujança, preferindo sempre o abandono de Vinhais ao zelo flaviense. Há carreiros nas margens que são túneis entre as árvores, com acesso aqui e ali a pontos onde os ocasionais pescadores armam as suas canas de pesca. Não conhecemos em todo o país vegetação ribeirinha mais bem conservada. Ao cortejo das árvores habituais (amieiros, freixos, salgueiros, sanguinhos, cerejeiras, pilriteiros) juntam-se trepadeiras (Humulus lupulus, Clematis vitalba), fetos pequenos e grandes, e uma profusão de herbáceas raras (Agrimonia procera, Circaea lutetiana, Filipendula ulmaria, Glechoma hederacea, Potentilla sterilis, Thalictrum speciosissimum, etc.) em que a raridade maior é uma umbelífera de porte avantajado, amante da frescura e da sombra.



Pimpinella major (L.) Huds.


Distribuída por quase toda a Europa, só em 2006 a Pimpinella major fez a sua entrada oficial na flora portuguesa, com a publicação, na revista Silva Lusitana, de uma nota por Carlos Aguiar e João Domingues de Almeida dando conta da descoberta da planta no Parque Natural de Montesinho, nas margens do rio Tuela. Sem surpresa, ela acabou por ser encontrada noutros lugares, e em todo o caso já era conhecida a sua (escassa) presença no sudeste da Galiza, não longe da fronteira portuguesa. É de assinalar, porém, que o rio Mente é afluente do Rabaçal, e que este só às portas de Mirandela se junta ao Tuela para formar o Tua. É pois de supor que as populações de Pimpinella major do Mente e do Tuela tenham origens independentes, ainda que ambas se situem no Parque de Montesinho.

Se atendermos à ecologia, a planta é fácil de identificar pelas folhas pinatissectas de grande tamanho, às vezes ultrapassando os 40 cm de comprimento, cada uma delas com 5 a 9 segmentos mais ou menos rômbicos, e pelos caules fistulosos e claramente estriados. As demais umbelíferas de flores brancas e tamanho respeitável que vivem em bosques húmidos ou em margens de rios (exemplos: Angelica sylvestis, Heracleum sphondylium, Oenanthe crocata e Laserpitium eliasii) têm folhas bem diferentes, em geral (a excepção é o Heracleum sphondylium) com um número muito maior de divisões.

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