O ponto mais elevado da ilha das Flores, apropriadamente chamado Morro Alto, fica-se por uns escassos 911 metros de altitude. Quem a ele ascende, porém, vê-se rodeado, mesmo no Verão, por um nevoeiro frio e cortante, quase sempre reforçado por vento e chuva. Apesar do fácil acesso por um estradão de terra, a vista que poderia atrair excursões de mirones ávidos de fotografar raramente se deixa ver. Esse nevoeiro persistente, que nos encharca a roupa mesmo quando parece que não chove, alimenta a grande esponja que é a zona central da ilha. O material que absorve e armazena a água é o Sphagnum, popularmente chamado musgão, capaz de formar almofadas gigantes que nesta ilha cobrem por completo grandes extensões de terreno. Na prática, o musgão funciona como substituto do solo, já que as demais plantas, desde o cedro-do-mato às pequenas herbáceas, são obrigadas a crescer sobre ele.
Por grande que seja a capacidade de armazenamento que a natureza fez instalar na ilha, o excesso de água tem que ser continuamente libertado, e daí as muitas ribeiras que fazem um curto mas tumultuoso trajecto desde os cumes até ao mar. Seria esse o destino dos caudais que, atirando-se de um precipício de 250 metros, formam o poço da Alagoinha, também conhecido como lagoa dos Patos. Mas a geografia trocou-lhes os planos, e antes de se acolherem ao mar, estas águas, obrigadas a um compasso de espera, juntam-se numa lagoa que é uma das imagens mais fortes da ilha.
Partindo da estrada da Fajã Grande, chega-se ao poço da Alagoinha por um caminho íngreme e escorregadio, de uns 600 metros de extensão, por entre arvoredo cerrado. Não é subida que exija grande esforço, mas por cautela deve usar-se calçado imperméavel e com boa aderência. Muitos dos visitantes que percorrem esta vereda imaginam-se envolvidos pela mais pura natureza, pouco ou nada modificada pela acção humana. Que vantagem haveria em desenganá-los? Em explicar-lhes que as criptomérias foram plantadas, que incensos e conteiras são invasores temíveis, e que da vegetação original da ilha restam neste lugar apenas fetos e algumas herbáceas? Em revelar-lhes que o anfiteatro verde rasgado por cascatas é afinal um paraíso falsificado?
Potamogeton pusillus L.
A água da lagoa dos Patos, permanentemente renovada e sem focos de poluição que a afectem, é por certo de óptima qualidade, mas as margens paludosas desaconselham os banhos. (O mesmo sucede em quase todas as lagoas da ilha das Flores; a única excepção é o poço do Bacalhau, na Fajã Grande, onde é seguro mergulhar na piscina que a cascata escavou na rocha.) Além do cenário portentoso, outros motivos há, até botânicos, para visitar este lugar. Aqui se refugia o
Potamogeton pusillus, planta aquática que, numa ilha com tanta água, só existe em três ou quatro pontos, estando ausente das lagoas de maior altitude. Por não gostar de águas profundas, a planta (um emaranhado submerso de caules longos e finos, com folhas compridas e lineares, de veios centrais bem marcados) tende a concentrar-se nas margens, o que é um alívio para o observador-fotógrafo. Como é tipico do género
Potamogeton, as flores estão agrupados em cachos na extremidade de hastes emersas. Fazendo jus ao epíteto
pusillus, os cachos florais desta espécie são minúsculos, com 3 a 7 mm de comprimento e 3 a 5 mm de espessura, e exigem ser observados de perto. A floração, pelo menos nos Açores, parece ser estival, com o auge ocorrendo no mês de Julho. À semelhança de outras espécies aquáticas, a planta goza de uma distribuição muito ampla, ocorrendo em quase todo o hemisfério norte: Europa, Ásia, norte de África, América do Norte e América Central.
Por regra uma planta perene, o
Potamogeton pusillus pode adoptar um ciclo de vida anual, o que lhe permite sobreviver em valas e charcos temporários. Assim se explica que, por contraponto à sua presença na mais pluviosa das ilhas açorianas, se tenha também instalado na Graciosa, que é a mais seca de todas. Mais normal é ter sido assinalada em São Jorge, São Miguel e Santa Maria: ao contrário do que se possa pensar, Santa Maria tem bastante água, e até conta com um número apreciável de ribeiras permanentes (coisa que não existe no Pico e no Faial, por exemplo). É indubitável que se trata de uma espécie muito rara nos Açores, embora, dada as dificuldades de prospecção, não seja de excluir que ocorra noutras ilhas além das cinco mencionadas.