15/11/2019

No bosque dos venenos em flor

É preciso o medo acumulado de muitas gerações para que uma espécie converta o medo em ira e crie, na sua evolução, um mecanismo que não apenas dissuada os predadores e eventuais inimigos, mas de facto os mate à primeira investida. Algumas espécies muito venenosas têm o cuidado de se pintar de cores garridas para avisar inocentes distraídos, ou potenciais polinizadores, mas nem todas usam dessa cautela na decoração. A Atropa belladonna, a que alguns chamam erva-moura-furiosa, é uma dessas herbáceas que não parecem fazer mal a uma mosca. Mas o seu efeito letal funciona algumas vezes precisamente por causa desse logro: as flores têm uma corola larga a lembrar uma campânula, com uma linda pigmentação axadrezada nas pétalas, e cinco estames longos mas recurvados para dentro; as bagas maduras, com cerca de 1.5 cm de diâmetro, são pretas, lustrosas, apetitosas e, dizem, doces; mas a ingestão de um bocadinho minúsculo da folhagem ou das bagas já matou reis, imperadores e gente incómoda para quem tem (ou quer passar a ter) o poder. E a reputação da belladonna nunca mais foi a mesma.


Atropa belladona L.


O nome Atropa, sugestão de Lineu, refere-se a Atropos, uma das três parcas da mitologia grega responsáveis pelo destino de cada um de nós. O fado era personificado por um fio bem fiado e medido; a Atropos cabia cortá-lo, interrompendo a vida do modo que lhe aprouvesse. O epíteto belladonna (proposto por Tournefort) conta uma história menos sombria: parte da planta era usada na Idade Média como tónico de cosmética, para ruborizar as faces e acentuar traços das belas damas de outrora.

Da família Solanaceae (a mesma das plantas que nos dão tomates, batatas, pimentos, beringelas, fisális ou tabaco), a A. belladonna é perene e nativa de regiões com clima ameno na Europa, Ásia e norte de África. É uma espécie que aprecia bosques, preferindo locais húmidos e sombrios. E foi num bosque notável do vale de Pineta, nos Pirenéus aragoneses, que a vimos. Esse é um tipo de habitat que escasseia em Portugal, e não é certa a ocorrência espontânea da A. belladona por cá.

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