Serralha marroquina
Sonchus pinnatifidus Cav.
O limite ocidental da cordilheira do Anti-Atlas (ou Pequeno Atlas), no sudoeste de Marrocos, apresenta uma paisagem e uma vegetação que, a julgar por fotos, lembram irresistivelmente as das vizinhas ilhas Canárias. São os mesmos picos áridos e acidentados, de cores quentes, com a mesma vegetação rala dominada por arbustos rasteiros. Essa região costeira, com vales muito cavados, propícios a servirem de refúgio a um grande número de espécies vegetais, terá sido, noutras eras geológicas, o mais importante berçário da flora canária, fornecendo a maioria das plantas que iriam depois diversificar-se num número assombroso de endemismos. As afinidades observadas levaram alguns botânicos a propor a inclusão dessa região marroquina no conceito bio-geográfico de Macaronésia (cuja realidade é aliás algo dúbia, por abarcar quatro arquipélagos — Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde — com coberturas vegetais muito díspares). As convulsões climáticas do período Quaternário afectaram contudo de modo muito mais sério as massas continentais do que as ilhas atlânticas, e as duas floras, pese embora a semelhança das paisagens, reflectem uma acentuada divergência. De acordo com um artigo de 1999 dos botânicos franceses Frédéric Médail e Pierre Quézel (The Phytogeographical Significance of S.W. Morocco Compared to the Canary Islands), das cerca de 1400 espécies ou subespécies registadas no sudoeste de Marrocos menos de 3% são comuns às Canárias. Além disso, a flora das Canárias, ao contrário da de Marrocos, tem um grau muito elevado de endemicidade: de acordo com o mesmo artigo, cerca de 39% das espécies canarinas são exclusivas do arquipélago, enquanto que em Marrocos a percentagem de endémicas ronda os 9%.
A Astydamia latifolia, a Polycarpea nivea e o Sonchus pinnatifidus são alguns dos vinte e poucos endemismos partilhados por Marrocos e Canárias. Ao Sonchus pinnatifidus, hoje no escaparate, que nas Canárias apenas existe nas ilhas de Lanzarote e Fuerteventura, não será despropositado chamar serralha-marroquina. Não é fácil saber em qual das duas regiões tiveram origem estes endemismos partilhados. As colonizações podem funcionar nos dois sentidos, e uma espécie que tenha evoluído nas ilhas atlânticas, descendente de um remoto antepassado continental, pode muito bem fazer a viagem oposta e estabelecer-se no continente. É provável que tenha sido isso mesmo que sucedeu com a serralha-marroquina, representante de uma estirpe do género Sonchus, caracterizada por caules lenhosos (subgénero Dendrosonchus), que, tirando esta tímida incursão no continente africano, é exclusiva das Canárias e da Madeira.
Face a outras serralhas lenhosas como o Sonchus fruticosus da laurissilva madeirense, o S. pinnatifidus impressiona pouco, raras vezes ultrapassando um metro de altura. O porte mais atarracado reflecte a adaptação a um habitat soalheiro, árido e ventoso, onde as plantas, muito mais do que competirem entre si (como seria regra no ambiente luxuriante mas sombrio da laurissilva), tiveram de inventar mecanismos de sobrevivência. Único da sua estirpe nas duas ilhas mais orientais do arquipélago, e frequente (às vezes abundante) na metade norte de Lanzarote, o Sonchus pinnatifidus é um verdadeiro caso de sucesso adaptativo.
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