Margarida farrusca
Há uma crónica do escritor e médico duriense João de Araújo Correia (1899-1985) em que ele censura as senhoras finas suas conterrâneas por não admitirem o vinho do Porto à mesa, preferindo-lhe os licores importados de França. Causa desgosto ao cronista que tais famílias desprezem a produção que faz a fama e o carácter da terra onde vivem e de que, directa ou indirectamente, depende a sua própria prosperidade.
Se do vinho saltarmos para o azeite, facilmente enumeramos uma mão-cheia de razões patrióticas, paisagísticas e até ambientais para nunca deixarmos de usar com abundância o líquido dourado. A elas se acrescentam razões de saúde e de paladar: não há comparação possível entre um bom azeite e as mixórdias genericamente chamadas "óleos alimentares". Portugal é um país de olivais que tomam diversas qualidades quando descemos de norte para sul. Há os olivais à beira-Douro, no Pocinho, que se estendem como a terra prometida à janela do comboio depois de atravessarmos túneis e penedos medonhos. Nos Candeeiros e em Sicó, são os olivais que ocupam as planícies entre os assomos pedregosos de calcário. Quem quer que se passeie pelo país terá o seu olival favorito gravado na memória; e, para que a lista fique menos lacunar, fará o leitor a fineza de evocar o seu e acrescentá-lo mentalmente a este texto.
O aumento do consumo do azeite traz porém um inconveniente, que é a substituição dos olivais tradicionais pelos de produção intensiva. Um olival tradicional é dos melhores mostruários da nossa flora espontânea; os olivais modernos de alta produção são desertos plantados com oliveiras. E os olivais de modelo antigo são mais bonitos, motivo adicional para ilustrarmos com eles esta conversa.
Em chegando o mês de Março, ou até ainda em Fevereiro, há um malmequer que se especializa em pintar de branco a manta dos olivais; é ele o Chamaemelum fuscatum. Dizem certas fontes que o povo lhe chama margaça-de-Inverno ou margaça-fusca; mas, para isso ser crível, o dito povo deveria ser capaz de analisar detalhes morfológicos subtis para distinguir este malmequer de outros muito semelhantes que aparecem nos mesmos habitats, como o Anthemis arvensis. O assunto foi já sobejamente explicado pelos nossos vizinhos, e por isso nos dispensamos de reproduzir a lição. Acrescentamos um detalhe: o Chamaemelum fuscatum também se diferencia do Anthemis arvensis pelas brácteas involucrais debruadas a negro, visíveis na foto da esquerda aí em cima. Embora, como ensina Carlos Aguiar, o epíteto fuscatum diga respeito a um pormenor só visível quando se faz a autópsia da inflorescência, não é grande disparate relacioná-lo com o cálice farruscado desta ervinha pré-primaveril a que decidimos chamar margarida-farrusca.