Época de soldas
É a crise no comércio tradicional que faz com que haja saldos o ano inteiro? Mas também no comércio electrónico, ou até nos supermercados pequenos ou grandes, o fenómeno é idêntico: nunca pagamos as coisas pelo preço tabelado, pois há sempre um desconto a amaciar a compra. A época de saldos caiu em desuso, ou deixou de ter importância por se ter transformado num requisito permanente das trocas comerciais. Nós, os consumidores, fazemos sempre a escolha mais inteligente por termos aproveitado aquela ocasão única, e os comerciantes sabem bem que só ganham em gratificar a nossa ingénua vaidade.
Já a época de soldas tem um calendário mais definido, decorrendo, grosso modo, entre Maio e Julho, com as naturais variações induzidas pelos factores climatéricos. Para começar, as soldas — que é como chamamos às espécies do género Galium — são muitas: mais de cinquenta espécies na Península Ibérica (incluindo ilhas Baleares), umas vinte em Portugal. O que complica a questão é serem muito parecidas umas com as outras: folhas reunidas em verticilos (ou saiotes) regularmente espaçados ao longo das hastes, flores geralmente brancas, pequenas (menos de 5 mm de diâmetro), de quatro pétalas, em panículas densas ou lassas, ou às vezes axilares, agrupadas em pequeno número. Caracteres diferenciadores são quantas folhas há por verticilo (por exemplo, no Galium broterianum, frequente em margens pedregosas de ribeiras, elas são sempre em número de quatro), o aspecto mais ou menos compacto da inflorescência, e a forma ou rugosidade dos frutos (duas espécies com frutos muito distintivos são o G. verrucosum e o G. murale).
As duas soldas que mostramos hoje, ambas fotografadas num mês de Julho nos cumes da serra Nevada, em Granada, não nos exigiram lupa nem consulta de chaves dicotómicas para as identificarmos com absoluta certeza. A circunstância de as termos encontrado a 2500 ou 3000 metros de altitude já nos restringia as hipóteses, mas em todo o caso o aspecto delas é inequívoco. O Galium rosellum, endémico da serra Nevada, tem flores rosadas, e nisso se distingue de todas os seus congéneres ibéricos (só poderia confundir-se com o G. balearicum, mas esse é exclusivo de Maiorca e tem quatro folhas por nó); além disso, o tom verde-escuro da folhagem é característico. O G. pyrenaicum, por seu turno, apesar de as suas flores brancas não destoarem do que é norma no género, tem hábito rasteiro e distingue-se pelas folhas pontiagudas, que ocultam por completo as hastes e parecem formar cachos. Preferindo sempre altitudes elevadas, esta solda-branca não é exclusiva da serra Nevada, como aliás o próprio epíteto específico dá a entender: vive também nos Pirenéus e na Cordilheira Cantábrica.