Acima das nuvens
Entre Maio e Junho, na montanha do Teide, em Tenerife, é a floração do taginaste que mais atrai a admiração dos turistas. Os exemplares de Echium wildpretii que, por inadvertência, instalam as suas torres vermelhas junto aos escassos pontos de estacionamento, são obrigados, qual presidente Marcelo, a posar ao lado das hordas de visitantes em busca das selfies mais invejáveis. E é plausível que no mundo vegetal a inveja também jogue o seu papel, pois afinal no Teide há muito mais plantas dignas de serem vistas e os apressadinhos dos turistas não lhes ligam nenhuma. Um exemplo é esta giesta branca que leva o nome de Spartocytisus supranubius, mas não parece, à primeira vista, ser assim tão diferente do nosso Cytisus multiflorus, que floresce em Abril (ou ainda mais cedo) em grande parte do interior norte e centro de Portugal. No Teide, tal como em Portugal, a giesta branca, cobrindo grandes extensões de terreno, funciona como neve primaveril para quem junta a imaginação à miopia, isto em territórios onde a neve propriamente dita é rara mesmo no Inverno.
A arrumação da giesta tenerifenha num género próprio (Spartocytisus em vez de Cytisus) sugere que as diferenças entre ela e a giesta-branca continental são de alguma monta. Olhemo-la então de perto para tomar nota dos detalhes. Das folhas não tiramos qualquer conclusão: ambas as espécies as largam cedo, ainda antes de abrirem as flores. Contudo, pode notar-se que as hastes floríferas da retama-do-Teide (nome vernáculo do S. supranubius) são algo mais robustas do que as do Cytisus multiflorus, e que as flores, tendo pedúnculos nitidamente mais curtos, aparecem agrupadas em verticilos sucessivos em vez de se distribuírem espaçadamente pela haste acima. Se já houvesse frutos para inspeccionar, notaríamos que as vagens da retama-do-Teide são glabras, enquanto que as da nossa giesta branca são peludas. São diferenças bastantes para aceitarmos estar em presença de duas espécies diferentes, mas justificar-se-á arrumá-las em géneros distintos? O nome Spartocytisus sugere que estas plantas sejam intermédias entre as do género Cytisus e as do género Spartium — de que o representante mais conhecido é o Spartium junceum. Contudo, pelas folhas unifoliadas (em vez de trifoliadas), pelas hastes roliças (em vez de estriadas) e pelos frutos compridos e estreitos, o Spartium junceum está morfologicamente muito mais distante da retama-do-Teide do que estão as giestas do género Cytisus. E é essa a opinião que recentemente tem prevalecido, com a generalidade dos autores a defender que o género Spartocytisus (de que há nas Canárias uma segunda espécie endémica, S. filipes) deve ser assimilado ao género Cytisus.
A retama-do-Teide não é exclusiva de Tenerife — aparece também na ilha de La Palma, a altitudes igualmente elevadas (em geral acima dos 2000 metros) — e nem sempre dá flores de um branco imaculado (veja nesta página). Porém, o epíteto supranubius é certeiro: o mar de nuvens criado pelos ventos alísios costuma quedar-se na vertente norte do Teide, originando um clima mais fresco e uma paisagem mais verdejante na metade setentrional da ilha. As nuvens ficam estacionadas bastante abaixo da cota dos 2000 metros, com o resultado de que a chuva quase nunca cai nessas regiões mais elevadas. Só alguns raros nevões e geadas no Inverno contrariam a secura dominante. Assim, a vegetação dos cumes do Teide está verdadeiramente adaptada a condições inóspitas, em que a falta de humidade é agravada (como acontece nos desertos continentais) pelas grandes amplitudes térmicas. A semelhança superficial entre a retama-do-Teide e a nossa giesta-branca disfarça uma incompatibilidade profunda: não há provavelmente nenhum lugar no mundo onde elas possam viver juntas.