Bencomia duas vezes
As espécies dióicas (em que as flores masculinas e femininas nascem em indivíduos distintos) parecem-nos mais bem adaptadas às exigências da Terra, talvez pelo carácter igualmente dióico da nossa espécie. Mas, nas plantas, essa separação dos géneros obriga-as a encontrar um meio eficaz de coordenar a floração (algo que é automático em flores hermafroditas) e a fabricar flores masculinas claramente distintas das femininas, não vá dar-se o azar de os polinizadores se enganarem e não iniciarem a sua tarefa na fonte de pólen. Por isso, entende-se que, em espécies dióicas cuja fecundação depende do apoio de insectos, as flores masculinas sejam frequentemente maiores ou mais vistosas, e até possam estar prontas a ser visitadas mais cedo do que as femininas. É o caso dos salgueiros, cujas flores masculinas asseguram, mal surge a Primavera, o fornecimento de pólen e néctar a inúmeros insectos recém-nascidos que, ávidos por proteínas, inicialmente as preferem às femininas. Pelo contrário, na Ginkgo biloba, espécie dióica que produz amentilhos cónicos e se serve do vento para espalhar o pólen, as flores dos dois géneros são inconspícuas e reduzidas ao
essencial.
As espécies do género Bencomia, também dióicas, seguem outra estratégia. As flores dos dois tipos são diminutas, quase indistinguíveis, mas as masculinas nascem agrupadas numa longa espiga (pode chegar aos 40cm) amarelada, enquanto que as espigas femininas não ultrapassam os 12cm e têm uma tonalidade rosada. Bencomia é um género endémico das ilhas Canárias, havendo notícia de quatro espécies, todas arbustivas. A folhagem delas é perene e muito graciosa: as folhas são grandes, pinadas com folíolos ovados, de um tom verde escuro brilhante que contrasta com o tomento esbranquiçado na face inferior; além disso, têm margens uniformemente serradas e agrupam-se em (falsas) rosetas terminais, o que dá à planta o perfil de uma pequena árvore, com um tronco curto mas uma copa atraente.
Comecemos pela Bencomia exstipulata, conhecida como bencomia de cumbre, que ocorre em lugares de altitude elevada nas ilhas Tenerife e La Palma. É tardia a florir (entre Abril e Maio), mas é a mais bonita das que conhecemos. Vimos alguns exemplares em dois locais na montanha do Teide: nos Roques de Chaval, onde estavam protegidos por uma cerca dada a sua raridade, e em La Fortaleza. Podem analisar mais pormenores desta espécie nesta ligação.
A Bencomia caudata (chamada bencomia de monte) é menos rara do que a espécie anterior e floresce entre Fevereiro e Junho. Ocorre nas ilhas centrais do arquipélago (Gran Canária, Tenerife, El Hierro e La Palma). As fotos são de exemplares dos barrancos de Badajoz e Añavingo, em Tenerife. Algumas floras dão-na como presente também na ilha da Madeira, no que constitui um excelente exemplo de uma falsa notícia transformada em verdade pela comunicação deficiente entre botânicos. A Flora of Madeira, de J. R. Press e M. J. Short, esclarece o engano: durante o século XIX, alguém avistou um exemplar masculino a norte do Funchal, plantado num jardim. No entusiasmo da descoberta, ninguém se lembrou que uma espécie dióica não pode ser um endemismo numa ilha se dela só aí existir um indivíduo masculino. Esta Bencomia gosta de ladeiras expostas ao sol, na laurissilva ou em pinhais, entre os 500 e os 1200 metros de altitude.
A Bencomia brachystachya (dita bencomia de Tirajana) floresce em geral um mês mais tarde do que a espécie anterior, e só há registo dela na Gran Canaria. Ainda não a conhecemos, mas podem compará-la com a B. caudata e a B. exstipulata aqui.
O isolamento entre as ilhas Canárias criou uma outra espécie de bencomia, a Bencomia sphaerocarpa (bencomia herreña), cuja distribuição se restringe a El Hierro. Ainda não visitámos esta ilha, mas há boas fotos da planta neste portal.
1 comentário :
Este blogue continua fantástico.
Uma portentosa fonte de belíssima e oportuna informação.
Parabéns.
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