12/11/2022

Perfume dos bosques



Outono nos bosques é tempo de cogumelos (que, por precaução, nunca colhemos), de castanhas (essas sim, apanhamo-las, ainda que os castanheiros assilvestrados produzam frutos de calibre reduzido), e de diversos cheiros rústicos que misturam humidade com matéria vegetal em decomposição. A imagem acima, de um faial (de Fagus sylvatica) algures na Cantábria, foi captada com as cores frescas da Primavera, e entretanto pelo mesmo bosque já passaram repetidamente as sucessivas estações do ano, cada uma com a sua combinação peculiar de cores e cheiros. Em Portugal também temos faiais, mas são tristes plantações florestais e não bosques espontâneos, e por isso lhes faltam quase todos os ingredientes que fazem o encanto dos faiais do norte de Espanha. Por exemplo, não temos cá nem o super-chícharo, nem a valeriana-gigante, nem esta madressilva, nem a hepática, nem, finalmente, o Galium bem cheiroso que é pretexto para a conversa de hoje.

Galium odoratum (L.) Scop.


O Galium odoratum é uma planta de climas temperados ou frios que vegeta em bosques mais ou menos sombrios — não apenas de faias, mas também de abetos ou de azevinhos — e se encontra distribuída por grande parte da Europa e da Ásia, rareando na região mediterrânica. Não por acaso, a sua distribuição na Península Ibérica sobrepôe-se em grande parte à da faia enquanto árvore espontânea: é frequente na Cordilheira Cantábrica e nos Pirenéus, e quase inexistente a sul dessas cadeias montanhosas. Adaptada à luz escassa, a planta optou por um tipo de crescimento mais ou menos rastejante, comum a várias espécies (como a hera) que vivem nas mesmas circunstâncias. Tenta assim maximizar a cobertura do solo e aproveitar, tanto quanto possível, as nesgas de luz que a folhagem das árvores vai deixando coar. Apesar de serem muitas as espécies de Galium na flora portuguesa, nenhuma tem essa vocação para tapete vegetal, e as que vivem em bosques tendem a refugiar-se em clareiras, sendo talvez o Galium rotundifolium a mais notória excepção a essa regra.

Se o epíteto que ostenta não for falsa promessa, alguma mais valia olfactiva há-de o Galium odoratum trazer aos bosques onde mora. As fontes consultadas confirmam que isso é verdade, mas ressalvam que talvez o perfume exalado pela planta não seja muito pronunciado quando as folhas estão ainda tenras. Será essa a razão para o não termos detectado? O perfume de cumarina (igual ao da Magydaris panacifolia, umbelífera frequente em Trás-os-Montes) é produzido por toda a planta, não especialmente pelas flores, e persiste quando a planta é cortada, acentuando-se à medida que ela seca. Não espanta que, muitas vezes, o seu destino seja transformar-se em pot-pourri. Praticado em grande escala, talvez esse aproveitamento fosse uma ameaça à sobrevivência da espécie, mas nem toda a gente está habilitada a reconhecê-la na natureza e, em todo o caso, há já quem a cultive para esse fim.

1 comentário :

bettips disse...

Faltam-me as palavras, sobra-me o encanto de olhar.
Para cima e para baixo, um oásis da Natureza, a mais humilde, a que nos cobre o lamento: das
graves modificações da Terra, sujeita a tantos liberalismos fatais.
Obg