Jocama
Hoje conversamos sobre flores. Como o leitor sabe, as plantas distinguem-se formalmente por duas coordenadas (género e espécie), como se fossem lugares numa sala de cinema ou endereços de casas numa rua. Nós conhecemos plantas de cerca de 400 géneros, o que parece muito mas é na realidade um conhecimento diminuto: só na Península Ibérica (na Sierra Nevada ou nos Pirenéus) há mais do dobro que nunca vimos. Esta classificação, inventada por Lineu, inspirou-se na morfologia das plantas, e presta atenção especial às flores quando elas existem. Contudo, actualmente, não basta listar diferenças na aparência (fonte de muitos deslizes na história da taxonomia), apelando-se à genética para distinções mais fundamentadas. Mas há alguns géneros em que a identificação só pelas flores nos deixa poucas dúvidas.
Um deles é o género Teucrium, de que há umas 15 espécies em Portugal continental (das mais de 80 na Península Ibérica), todas herbáceas e aromáticas, das quais duas são endemismos portugueses: o T. vicentinum e o T. salviastrum. Nos Açores, estranhamente, não há registo de nenhum Teucrium endémico. No arquipélago da Madeira, porém, há uma mão cheia de espécies endémicas de Teucrium, algumas arbustivas, todas com floração muito vistosa (fotos e demais informação aqui). São elas o T. betonicum, o T. heterophyllum subsp. heterophyllum, o T. abutiloides e o T. francoi. Número que bate, por uma vez, o de endemismos deste género nas ilhas Canárias. Em La Gomera, La Palma, Tenerife e Gran Canaria ocorre a subespécie T. heterophyllum subsp. brevipilosum; e o T. heterophyllum subsp. hierrense, mais hirsuto que o anterior, só ocorre em El Hierro.
Nunca encontrámos a subspécie madeirense de T. heterophyllum, mas ela distingue-se das subspécies canarienses sobretudo pelas folhas crenadas e moderadamente tomentosas. Vimos a subspécie brevipilosum a uns 600m de altitude nas proximidades de Chinamada, aldeia da região de Anaga, em Tenerife. A jocama, nome que provém da língua guanche, é um arbusto que pode chegar aos 2m de altura, com folhas e talos aveludados, quase brancos de tanta penugem. Mas é claro que foram as flores vermelhas, em contraste com a folhagem, que nos encantaram. Enfim, os Teucrium que conhecíamos têm flores amareladas, brancas, cor-de-rosa ou violeta, em tons suaves e discretos. Esta exuberância em que as ilhas são férteis é, dizem, consequência da adaptação ao habitat ou aos polinizadores. Mas não será simples resultado da boa vida que nelas se leva?
As flores dos Teucrium têm um lábio grande, além de dois abanicos um pouco acima, atrás de estames proeminentes. Note agora nas fotos acima que as flores do T. heterophyllum são bilabiadas: os tais abanicos fecharam-se e formam um pequeno tecto (um lábio bífido) que cobre os estames. Curiosamente, na Madeira esta configuração da flor repete-se no T. betonicum e no T. abutiloides, mas não no T. francoi (espécie próxima do T. scorodonia continental).
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