22/05/2024

Pomponeira dos altos cumes



Crê-se, com alguma razão, que a evolução do que existe na Terra respeita um princípio inevitável: a propriedade dos valores intermédios. Diz ela que entre um dinossauro e um colibri existiu algum elo, nem já réptil nem ainda ave, de tamanho e formato intermédios; que das plantas sem flor, como os fetos, até às orquídeas, de floração muito sofisticada, houve que passar por flores reduzidas ao essencial, verdes, sem pétalas e sem aroma, como as dos ginkgos. Mas nós sabemos que há descontinuidades nestes processos biológicos capazes de desacreditar algumas leis experimentais óbvias e complicar os estudos da história evolutiva da flora no planeta. Bom exemplo disso é a herbácea perene, de prados pedregosos de montanha, que vos mostramos de seguida.

Senecio boissieri DC. [= Jacobaea boissieri (DC.) Pelser]


O S. boissieri é um endemismo espanhol com uma distribuição curiosa: ocorre na Cordilheira Cantábrica, no centro dos Pirenéus e nas montanhas mais elevadas dos sistemas central e bético. Ainda que não se tenham descoberto diferenças morfológicas dignas de menção entre plantas das quatro regiões anteriores, um estudo genético publicado em 2006 mostrou que esta espécie abriga dois grupos distintos: um na cordilheira Cantábrica (a norte de Espanha) e outro nas serras de Guadarrama (no centro), de Baza e Nevada (a sul). Os autores explicam esta disparidade pelo isolamento geográfico e climático da população do norte relativamente às do centro e sul. Mais precisamente, supondo que a área de distribuição desta asterácea tenha sido originalmente mais vasta e menos fragmentada (o que não se sabe ao certo...), e que essa separação do território se tenha dado de modo contínuo de sul para norte (o que também não é inteiramente garantido...), os exemplares vizinhos das serras de Baza e Nevada mantiveram-se conectados com os que ocorrem na serra de Guadarrama, sendo a Cordilheira Cantábrica um refúgio disjunto a norte que se manteve frio por um período mais longo e cuja população de S. boissieri entretanto divergiu das restantes. Estando os cientistas a olhar para um passado de há muitos milhões de anos, admiramo-nos que consigam produzir esta imagem da natureza de outrora que, embora cautelosa e granulada, nos convence.



As inflorescências de todas as espécies do género Senecio que são nativas de Portugal continental têm capítulos em tons de amarelo. O tom rosa púrpura dos flósculos no S. boissieri, ainda que não seja invulgar fora da Península Ibérica, é uma raridade aos nossos olhos. As fotos são de exemplares da Serra Nevada, um dos locais de maior biodiversidade botânica, de habitats e de faixas climáticas na Europa, e foram captadas entre os 2500 m e os 3300 m de altitude.

1 comentário :

ZG disse...

Beldade espantosa, realmente!