O deserto e as serras
A serra de Alhamilla, no sudeste de Espanha, dista do litoral uma dezena de quilómetros, mas já esteve mais perto. Há uns 8 milhões de anos, a ponta sudeste da Península Ibérica estava inundada pelo mar Mediterrâneo. As serras do maciço central de Almería nasceram pouco tempo depois, após intensa actividade vulcânica. A serra de Alhamilla é feita de xistos e quartzitos, entremeados por afloramentos calcários e arenitos. Este é um solo que se esfarela facilmente e que a erosão tem vindo a deformar em picos (o mais alto eleva-se aos 1380 m) de vertentes muito inclinadas. O clima na serra é mediterrânico, claro, mas com tendência para a versão seca e ventosa.
A descrição anterior parece ser a de um habitat demasiado adverso para a fixação de plantas. Na verdade, comparada com o deserto que a rodeia, a serra é um oásis. Além de bosques antigos de azinheiras e pinheiros, há o ar húmido que lhe chega do mar e se enovela em nevoeiros densos e persistentes, e a chuva no Outono, por vezes torrencial. E, convenhamos, foi a necessidade de sobreviver em solo resvaladiço e clima semi-árido que criou condições para surgirem os endemismos que nos levaram a Almería.
Pouca gente vive na serra de Alhamilla e os caminhos que a atravessam são raros, estreitos e não asfaltados, ou com piso bastante esburacado. Esta falta de infraestruras é enervante para citadinos como nós, mas assim, dificultando o acesso a locais que requerem protecção estrita, se tem preservado com eficácia a biodiversidade deste ecossistema único. As espécies nas fotos que se seguem vivem no topo da serra, a cerca de 1300 m de altitude.

A Península Ibérica é terra de muitos assobios. Mas este é exclusivo do sudeste de Espanha e do noroeste de África. É uma herbácea anual, penugenta e muito glandulosa, com lindas flores de cor carmim. Os núcleos populacionais desta espécie em Alhamilla parecem estáveis e bem conservados.



Esta ansarina pequenina, de flores azul-violeta com brácteas penugentas e glandulosas, lembra a L. micrantha que ocorre nos olivais de sequeiro, em solos argilosos básicos do Alentejo. São ambas espécies anuais, mas distinguem-se bem quando em flor pelo esporão, que na L. arvensis é mais longo e recurvado. Há registo da sua presença no sul e centro da Europa, por isso não será surpresa se um dia alguém a encontrar por cá.




Talvez porque o topo da serra de Alhamilla é frio e ventoso no Inverno, e árido no Verão, esta boraginácea anual de folhas com margens onduladas também se reveste com um indumento protector nos talos e flores. A sua morfologia é semelhante à da Nonea vesicaria, de que há registos no interior e litoral sul do país e que, curiosamente, também vimos no nordeste, em Torre de Moncorvo. Este artigo de B. Valdés dá conta da existência, em 1980, de exemplares de N. micrantha na ponta de Sagres, mas não foram vistos nas últimas décadas.



Ao contrário das espécies anteriores, é certo a Arabis verna ocorrer em Portugal (vimo-la nas serras de Aire e Candeeiros), partilhando com as plantas da serra de Alhamilla a preferência por locais frescos com solo pedregoso básico. Por cá está em risco, porque há poucos núcleos conhecidos e todos de dimensão reduzida. E, claro, também não ajudam a limpeza excessiva das bermas de caminhos, as obras de beneficiação de estradas, e a expansão de pedreiras.
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