Por um punhado de plantas
Acontece-nos, por vezes, não descobrir os termos precisos para descrever uma paisagem. Veja-se o exemplo do deserto de Tabernas que, apesar de ser uma região muito seca, não tem apenas vegetação xerófila rudimentar, como deveria para honestamente poder chamar-se deserto. É-nos permitido, contudo, apelar a meias-palavras: semi-deserto de Tabernas, querendo de facto dizer quase-deserto. O que me faz lembrar um fim de tarde, com a minha irmã a chegar a casa de um longo dia de escola no ensino básico, trazendo na mochila a avaliação de uma ficha de História: Mau+. Indiferente à aflição geral com tal desaire, a questão que então a minha irmã quis ver definitivamente esclarecida foi a do papel do sufixo: Mau+ é melhor ou pior do que Mau? Pois neste deserto-que-ainda-não-o-é, a biodiversidade é notável, com muitas espécies que se adaptaram à aridez, ao solo pobre, arenoso ou margoso, e ao ambiente quente e salino. Quem sabe, talvez essa vegetação exuberante impeça a tempo que o meio-deserto se torne num por inteiro. Não é, por isso, claro se o prefixo semi prevê o futuro ou conta o passado deste habitat.
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O saramago das fotos é um dos melhores exemplos de vegetação xerófila adaptada a este quase-deserto. Trata-se de um endemismo de Almería, que já foi mais abundante. A semelhança entre esta aridez e a dos desertos da América do Norte (embora aqui não existam cactos) levou à construção, entre 1950 e 1980, de cenários para filmes de faroeste e afins, o que dizimou inúmeros exemplares desta espécie. Por um punhado de dólares, com Clint Eastwood; Era uma vez no oeste, com Henry Fonda e Claudia Cardinale; Lawrence da Arábia, com Peter O'Toole; Cleópatra, com Elizabeth Taylor, e Indiana Jones e a Última Cruzada, com Harrison Ford e Sean Connery, são alguns dos culpados.
Notem como a morfologia das flores é parecida com as das espécies do género Coincya que conhecemos por cá. O Euzomodendron, porém, é arbustivo, lenhoso e perene, muito ramificado, com folhas carnudas onde se espetam pêlos espinhosos, e longas raízes que lhe permitem sobreviver em habitat extremamente seco. Pode atingir 1 m de altura e floresce no fim do Inverno. No Verão, as plantas perdem quase todas as folhas e reduzem-se a troncos ressequidos. Euzomodendron é um género monoespecífico e, dizem, uma relíquia do Jurássico. O epíteto bourgeanum homenageia o naturalista francês Eugène Bourgeau (1813-1877), que colheu amostras desta planta numa viagem à província de Almería em 1851.






Esta asterácea é outro indício de que não estamos num deserto de dicionário, feito apenas de areia, vento e dunas. Depois de calcorrear taludes e montes, eis-nos chegados ao vale de um rio, com vestígios de ter aqui corrido água há poucas semanas. E é no bordo, a refrescar-se no lodo arenoso, que esta herbácea anual, com não mais de 30 cm de altura mas bastante ramificada, se dá bem. Sobressairia o tom de amarelo intenso das inflorescências caso elas abrissem mais, e é precisamente a essa tonalidade que o epíteto específico flavus alude. As folhas são carnudas, de cor púrpura na face inferior, tendo as mais baixas um pecíolo longo enquanto as superiores abraçam o caule — o que faz com que as folhas pareçam abanicos. As populações europeias desta espécie estão em Espanha, havendo registos da sua ocorrência em Murcia e Almería e em algumas das ilhas Canárias.





Em local próximo, ainda no fundo arenoso-argiloso do rio, havia inúmeros exemplares de deste Limonium, planta anual da bacia do Mediterrâneo que em Portugal continental ocorre, embora seja rara, entre o cabo Espichel e o Barlavento Algarvio. Era Abril, e pudemos finalmente ver-lhe as flores.




Florindo também entre Março e Abril, este Astragalus perene, robusto e peludinho, de enormes flores amarelas, foi outra agradável surpresa do já-nada-convincente-deserto de Tabernas. Aprecia matos ralos sobre substrato calcário. É mais um endemismo do sudeste da Península Ibérica, onde o género Astragalus abriga mais de 40 espécies.
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