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01/11/2016

Novas azedas

Rumex intermedius DC.

Já se sabe que o valor de mercado de um produto aumenta com a raridade, e que aquilo que é desdenhado por ser abundante num certo país ou região pode ser valioso e cobiçado noutras paragens. Consideraçôes análogas guiam-nos muitas vezes no turismo botânico que praticamos. Nas grandes extensões do centro-oeste do país dominadas por substratos calcários, encontramos com facilidade muitas plantas (entre elas um grande número de orquídeas) que, por falta de habitat apropriado, se fazem escassas ou ausentes no resto do território. Toca então de procurá-las nesses lugares improváveis, não porque ganhemos dinheiro com isso, mas porque o achado se torna mais gratificante. Ressalve-se que essa procura não é inteiramente arbitrária: se uma planta só se dá mesmo em calcários, seria tolo querer vê-la em afloramentos xistosos. Mas o fogo primordial misturou de forma caótica os ingredientes de que o planeta é feito, fazendo surgir ilhas calcárias em mares (sólidos) de xisto ou granito. São essas ilhas, espalhadas aqui e ali pelo nordeste transmontano, que gostamos uma vez por outra de visitar em busca de surpresas.

As minas de Santo Adrião, em Vimioso, são dos maiores afloramentos calcários de Trás-os-Montes. Encerrada a pedreira, já nada parece ameaçar os azinhais que, durante anos, foram sendo abocanhados pelo avanço da exploração. Apesar das feridas, o que sobrou, espalhado por dois ou três montes e atravessado por dois ribeiros, é um bosque de árvores maduras que impõe respeito, com mais de 3 km de comprimento e uma área total que ultrapassa 1 km^2. Sob a copa ampla das azinheiras ou aproveitando as clareiras das zonas mais pedregosas, o coberto arbustivo e herbáceo é rico e condimentado com aquelas espécies que denunciam o solo alcalino. Além das orquídeas (duas delas muito raras) e da sempre sedutora Leuzea conifera, aparece uma azeda (género Rumex) que se destaca pela inaudita elegância. Quando com ela deparámos, e ainda sem lhe poder dar nome, soubemos logo que era a primeira vez que a víamos. Alta, de quase 1 m de altura, haste fina e ramificada, inflorescência como uma nuvem tocada pelo pôr-do-sol, folhas sagitadas, estreitas e compridas como lanças.

Consultados os manuais, concluímos tratar-se do Rumex intermedius. Tem certa preferência por calcários, mas não mantém com eles uma relação de exclusividade. Apesar de muito espalhado no país vizinho, é escasso em Portugal e, como informa o mapa de distribuição no Flora-On, encontra-se sobretudo no Algarve. A Flora Ibérica sublinha essa preferência pelo sul, assinalando-o apenas em quatro províncias: Estremadura, Algarve, Alto e Baixo Alentejo. O salto para Trás-os-Montes, província que agora se acrescenta à corologia da espécie, é considerável. Como chegou ele àquela ilha calcária transmontana sem usar, que se saiba, os calcários do centro do país como trampolim? Veio certamente de Espanha, pois Portugal não é uma ilha e estamos todos embarcados na mesma jangada de pedra.

01/10/2016

Malva doce


Althaea hirsuta L.


Há uns anos, chegou ao país a receita de uns cilindros doces, brancos ou cor-de-rosa, de textura macia, por vezes servidos com chocolate. Sem nome em português, adoptámos a designação estrangeira, marshmallow. E marsh-mallow é precisamente o nome comum em inglês da planta que está na origem da receita, a Althaea officinalis, uma espécie europeia comum na metade leste da Península Ibérica mas escassa em Portugal, que aprecia canaviais e solos húmidos. Em português, conhece-se como malvavisco. Das suas raízes extraía-se outrora um suco viscoso com virtudes medicinais, muito eficiente a combater problemas respiratórios, e que era a essência da guloseima, juntando avisadamente o útil ao agradável. A tradição infelizmente perdeu-se, e hoje o único ingrediente vegetal das esponjinhas melosas vem da cana-de-açúcar.

A malva-rosa que vimos junto às minas de Santo Adrião é uma planta de substratos pedregosos, secos e básicos, em locais abertos. Por isso não é surpresa que seja tão hirsuta. De menor tamanho que o malvavisco, estava, nesse dia quente de Junho, com flores solitárias muito formosas, de pétalas rosa-azulado que (soubemos depois) se tornariam violáceas ao envelhecer. Os frutos são invólucros formados pelas sépalas, com as sementes dispostas em círculo, popularmente conhecidos como queijos.

O género Althaea (do grego althaia, cura) abriga cerca de doze espécies europeias e asiáticas, quatro delas consideradas nativas de Portugal. A Althaea hirsuta, que é anual, ocorre em quase toda a Europa, noroeste de África e sul da Ásia. Fiando-nos nos registos do portal Anthos, concluimos que é frequente na Península. A Flora Ibérica indica que, quanto a Portugal continental, a sua distribuição conhecida se restringe ao Algarve, Alto e Baixo Alentejo e Minho. Para já, só temos notícia dela em Trás-os-Montes.

24/09/2016

Flores de sol

As flores que aqui trazemos hoje têm destinatário: são para Francisco Clamote, que descobriu recentemente uma nova espécie para a flora de Portugal.


Xeranthemum inapertum (L.) Mill.


Raramente temos consciência do quanto nos esquecemos. Enquanto acontecem, deixamos sumirem-se ruídos, movimentos, imagens, pensamentos, como se a nossa memória, com rédea solta, esbanjasse o presente desinteressada do futuro. Essa rotina de ignorar parte do mundo deve ser, contudo, uma vantagem evolutiva, uma componente importante do nosso livre arbítrio. Muitos apreciariam possuir a arte de domar as suas memórias, uma gestão que a seu tempo estenderiam às lembranças dos outros. A grande maioria, porém, comove-se com o que pode durar uma eternidade, como estas inflorescências que resistem anos a fio depois de secas, símbolos de uma memória perene que se designam carinhosamente por saudades-perpétuas. Imortalidade que em grego os taxonomistas decidiram celebrar com o nome Xeranthemum.

As pedreiras já desactivadas, ditas antigas, como aquela perto da qual vimos este malmequer-de-palha, são cicatrizes tenebrosas em habitats cujo valor se esgotou para as pessoas que dali tiraram algum benefício, mas que se renovam quando a flora retoma o domínio. Nesta, um lugar árido em Vimioso, as plantas são ainda escassas, seja de Spiranthes spiralis ou de Cynoglossum cheirifolium, com uma distribuição tímida de quem acabou de chegar. Os talos fininhos desta espécie de Xeranthemum passarão ali despercebidos ao olhar destreinado se não estiverem em flor, o que só acontece em Junho, quando o solo já acusa a estiagem. São, porém, se a memória traiçoeira não se tiver esvaziado muito, as asteráceas mais bonitas que já vimos.

Desta espécie, há apenas, no portal Flora-On, este registo (de Ana Júlia Pereira e Miguel Porto) em Trás-os-Montes, região que, bafejada pela sorte, conta ainda com a única população conhecida da segunda espécie do género que ocorre em Portugal, o X. cylindraceum.

12/05/2016

O que não se vê


Minuartia hybrida (Vill.) Schischk.
Se o leitor erguer um dos seus dedos mais pequenos, terá uma ideia aproximada do tamanho desta planta. Mesmo em flor, só por mero acaso reparámos nela no chão calcário e magro de uma antiga pedreira em Vimioso. Sendo anual e tão débil, a sua sobrevivência depende de alguma estabilidade neste habitat, garantida enquanto a exploração de inertes não for mais rentável. E, quem sabe, daqui a alguns anos talvez ela atinja a bitola teórica de 22 cm de altura máxima que algumas chaves taxonómicas lhe atribuem.

Quanto ao género Minuartia, já aqui tínhamos mostrado a Minuartia recurva, herbácea perene de ambientes frios e rochosos de montanha e de que, por cá, só se conhecem populações nas serras do Gerês e da Estrela. A Península Ibérica foi favorecida por este género — cujo nome homenageia o naturalista catalão Juan Minuart — e conta com não menos que dezoito espécies. Se o leitor tiver tempo, detenha-se a comparar as imagens seguintes de algumas delas: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.

Entre nós, falta encontrar plantas da terceira espécie que ocorre em Portugal, a M. mediterranea, de que, curiosamente, não há ainda imagens no portal Flora Silvestre del Mediterráneo e só são mostradas sementes no Anthos. Segundo a Flora Ibérica, deveríamos vê-la no centro e sul do país, em particular no Alto Alentejo e Ribatejo, mas há risco de confusão com a M. hybrida, com quem, homessa, até pode hibridar.

10/04/2016

Em louvor dos taludes


Ferula communis L.
Nas estradas sinuosas das serras da Peneda e do Gerês, não são apenas as curvas que aconselham o condutor a moderar a velocidade. Grupos de vacas ou ovelhas tresmalhadas vão debicando, na maior das calmas, e indiferentes aos automóveis que são obrigados a desviar-se ou a parar, as ervas nem sempre tenras que revestem os taludes. É sorte delas que a canafrecha não cresça nas serranias minhotas, caso contrário essa refeição colhida na berma da estrada bem poderia ser a última. Fossem elas transmontanas de Vimioso, e ao risco de atropelamento próprio de estradas mais rectilíneas somar-se-ia o da ingestão deste apetitoso veneno. A Ferula communis, assim chamou Lineu à canafrecha, é uma das maiores herbáceas da nossa flora, uma haste de mais de dois metros de altura encimada por vistosas bolas amarelas, mas não é pela beleza que um pastor lhe vai perdoar a perigosidade. Não é que seja irremediavelmente mortal como outras umbelíferas (de que se destacam a Oenanthe crocata e o Conium maculatum), mas o seu consumo continuado provoca hemorragias internas que podem ser fatais, em especial para o gado ovino.

Não sendo nós pastores, é com agrado que vemos a canafrecha contribuir para o embelezamento de um dos troços de estrada botanicamente mais ricos do país, como é a EN218 junto ao rio Maçãs, em Vimioso. Herbácea perene de crescimento rápido e com óbvia vocação ornamental, a sua floração em terras nortenhas é tardia, decorrendo numa altura, entre Junho e Julho, em que o fulgor da Primavera já se desvaneceu. A preferência desta umbelífera por lugares alterados e substratos rochosos fazem dela uma frequentadora habitual das bermas de estrada em Trás-os-Montes. Surge mais raramente marginando prados e campos de cultivo, onde, conforme pudemos testemunhar, a sua presença não é bem-vinda: em Campo de Víboras, num passeio em Junho sob um calor impiedosamente estival, encontrámos muitas hastes decepadas ao longo do caminho.

Quem vê a canafrecha em flor não a irá por certo confundir com o funcho (Foeniculum vulgare), que tem uma floração bastante mais discreta, é abundante em terrenos baldios por todo o país, e compensa a desgraciosidade com uma firme reputação culinária. As duas umbelíferas podem contudo confundir-se na fase vegetativa, pois as folhas de ambas são muito divididas, com segmentos de última ordem lineares: compare-se a nossa terceira foto com esta outra da folhagem do funcho. Para evitar enganos, convém estar atento às folhas basais: as da canafrecha (que ninguém no seu juízo há-de querer usar nos seus cozinhados) são bastante maiores e têm um aspecto plumoso muito característico (ver foto).

29/03/2016

Dança das ervilhas


Pisum sativum L.


A ervilheira, cujas vagens contêm filas de sementes esféricas muito leves, é uma planta anual que aprecia o frio e que entrou tardiamente, depois de muitos outros vegetais, na cozinha europeia. Entretanto, teve outros usos pois há mais de dois séculos que as ervilhas colaboram com a ciência. Depois de, pela mão experimentada de Mendel, terem sugerido as leis gerais da genética, ajudam agora os biólogos a entender como é que as plantas comunicam entre si e de que modo conseguem processar a informação que lhes chega do ambiente.

Neste âmbito, a discussão (e a controvérsia) centra(m)-se nas questões seguintes: os neurónios, que as plantas não têm, constituem uma solução muito engenhosa para guardar e gerir informação; mas haverá outras? As plantas têm consciência do que as rodeia, ainda que por mecanismos distintos dos dos animais? O problema é complicado porque temos, naturalmente, uma visão antropomórfica do mundo. Parece-nos que, sem um cérebro que pense, memorize, aprenda, comunique, interaja, se emocione, tenha consciência de si e dos outros, e saiba coordenar tudo isto, não se é inteligente. Repare-se que, se em vez da palavra «plantas» usarmos «computadores», estas perguntas não são novas (e as respostas resumem-se a: um computador pode ser capaz de muitas tarefas complicadas, mas não tem consciência de que as realiza nem sente satisfação por isso).

A combinação de qualidades que usámos para definir ser inteligente é discutível mas, se devidamente adaptadas ao mundo vegetal, talvez haja indícios de algumas delas entre as plantas. Nestas, aos nossos ouvidos silenciosas, que precisam de se defender, de ter sempre à mão água e nutrientes, e de um meio eficiente e controlável que transporte o pólen entre duas flores impedidas de se tocar, reconhecemos sinais de uma notável adaptação aos habitats e aos polinizadores. E vêmo-las capazes de inúmeras decisões (em que direcção crescer, quantas folhas novas devem nascer neste ramo, quando florir, como encontrar água, quando abrir os frutos e largar as sementes, etc.) que são demasiado difíceis de realizar quase em simultâneo sem algum grau de inteligência.

Mas, afinal, que provas nos apresentam os cientistas de que as plantas são capazes de comportamentos inteligentes? É aqui que intervêm as trepadeiras, como as que dão ervilhas. Elas usam gavinhas para se segurar enquanto ascendem em busca de luz e espaço. Para isso, precisam de saber localizar lugares onde se possam agarrar, mas não têm olhos para identificar postes. Contudo, neste vídeo, podemos observar como as plantas orientam a gavinha para um poste, revelando uma percepção do ambiente com que não contávamos. Além disso, repare-se como, mal uma das trepadeiras se enrola no pau, a outra planta pressente-o e, vencida, procura alternativas. Como foi possível transmitir essa informação de uma planta a outra? Que órgãos as fazem tão sensíveis a tantos estímulos? O aparato sensorial das plantas contém versões dos nossos cinco sentidos (sentem diferenças químicas no ar, na água ou no solo; reagem de modo distinto a diferentes comprimentos de onda da luz; as gavinhas sabem quando encontram um objecto em que se enrolar; e, acredite-se ou não, em alguns testes parecem saber interpretar sons), mas é muito mais completo e minucioso. Os cientistas estão convencidos de que se trata de uma comunicação química ou por sinais eléctricos, que podem ser emitidos por toda a planta. Além disso, as experiências destes neurobiólogos parecem indicar que as plantas memorizam informação, e com essa aprendizagem são capazes de resolver problemas que ponham em causa a sua sobrevivência (como se conta neste documentário).

A teoria mais bem aceite é a de que as células de cada planta funcionam como colónias de formigas ou abelhas, em que um número muito grande de indivíduos, cada um deles sem inteligência digna de nota, trabalha eficientemente em grupo, tal qual uma rede de ligações optimizada. De resto, toda a planta é feita de módulos, alguns descartáveis sem qualquer risco, e cada um coopera, seja a comunicar, a evitar ameaças ou a disseminar-se. Ora, tal como na Internet, para conseguir isto não é preciso um cérebro; basta estar vivo e pertencer a uma estrutura com tarefas bem distribuídas e devidamente coordenadas.

Mas os cientistas são teimosos, e animam-se precisamente com os desafios mais difíceis. Inspirados pela obra The power of movement in plants, de Charles Darwin, têm procurado nas plantas uma estrutura análoga a um cérebro. E, de facto, localizaram em cada raiz uma região muito mais bem oxigenada que as demais e sem a qual, embora cresça, a raiz perde a habilidade de seleccionar a direcção privilegiada em água, nutrientes e solo. É um pedaço minúsculo de raiz perto da ponta, enterrado para reduzir o risco de ser comido ou destruído, mas multiplique-se esse bocadinho pelo número de raízes e teremos, não um cérebro, mas um conjunto de células que funciona como um gigantesco sistema nervoso central, cuidadosamente empenhado na sobrevivência da planta e da espécie. Talvez o leitor aprecie ouvir mais detalhes nesta palestra (que dura cerca de 15 minutos e pode ser acompanhada por legendas em português se escolher essa língua em «Subtitles»), com o testemunho de um desses cientistas.

23/03/2016

Agulhetas


Erodium botrys (Cav.) Bertol.
Embora pouca gente tenha consciência disso, o mistério dos bicos-de-cegonha é pelo menos tão aliciante como o das girafas. Por que razão os frutos dos gerânios e aparentados são tão desmesuradamente compridos, fazendo lembrar agulhas ou os bicos de certas aves? É certo que são agulhas de ponta mole, pouco aguçadas, e por isso não funcionam como defesa contra os herbívoros. Porém, à semelhança do que sucede com as vagens de certas leguminosas, os frutos, ao secarem, abrem de forma violenta, arremessando as sementes para longe. No caso dos Erodium, essas sementes têm uma longa cauda que, além de funcionar como mola, se entrega, quando depara com alguma humidade, a um contorcionismo frenético, tentando perfurar o solo como se de um parafuso se tratasse (vídeo). Uma semente que aprendeu a ser semeadora, abrindo um buraco para nele se enfiar... Quem disse que as plantas não têm inteligência? Que processo evolutivo pôde dar origem a um mecanismo destes? No fim de contas, talvez o pescoço da girafa seja mais fácil de explicar.

Plantas oportunistas e desprestigiadas, frequentadoras de relvados, de jardins ao abandono e de bermas de caminhos, mas também de prados naturais, os Erodium dão flores bonitas que ganham em ser vistas ao perto mas valem igualmente pelo conjunto. O E. botrys distingue-se pelas flores comparativamente grandes e de formato campanulado, com as pétalas sobrepondo-se umas às outras (no E. moschatum e no E. cicutarium as pétalas são mais estreitas e estão bem separadas), mas é pelos frutos que ele mais se destaca entre os congéneres. São 13 cm bem medidos desde o cálice até à ponta do bico, o que quase duplica a melhor marca da concorrência. Longbeak stork's bill, um dos nomes que os anglo-saxónicos lhe dão, é um justo reconhecimento da sua valia atlética.

Nativo da região mediterrânica e naturalizado nos EUA, Austrália e Nova Zelândia, o Erodium botrys, ainda que seja pouco frequente no Minho e Douro Litoral, surge em quase todo o território continental e também no arquipélago da Madeira. O seu calendário oficial de floração vai de Março a Junho, mas, como acontece com muitas outras plantas ruderais, não desperdiça nenhuma ocasião, mesmo fora da época, para aparecer e cuidar da vida.

27/02/2016

Super-agrião


Rorippa pyrenaica (All.) Rchb.


Em terrenos baldios, pousios, bermas de estrada, às vezes em hortas, as crucíferas de flor amarela são, em cada ano, os arautos da Primavera. Rabanetes, mostardas, saramagos, couves e agriões atropelam-se para nos dar a boa nova de que os dias sombrios, curtos e descoloridos vão ficando para trás. Boa altura para trazer ao escarapate um membro deste grupo, ressalvando-se contudo que o agrião-dos-Pirenéus (tradução apressada de Rorippa pyrenaica), por ser raro e de floração tardia (só a partir de Maio), não participa no esforço colectivo de pintar de amarelo as paisagens neste final de Fevereiro.

Dentro do género Rorippa, ou pelo menos se a compararmos com outras espécies que por cá conhecemos, a R. pyrenaica, com os seus 70 cm de altura, destaca-se pelo porte erecto e pela floração abundante. Apesar de o seu nome fazer referência aos Pirenéus, ela não é exclusiva dessa cadeia montanhosa e encontra-se, por vezes a altitudes modestas, em boa parte da Europa mediterrânica, desde a Península Ibérica até aos Balcãs. Preferindo lugares abrigados e húmidos, em orlas de bosque ou junto a cursos de água, está referenciada em quatro províncias portuguesas, mas ultimamente, de acordo com o portal Flora-On, só tem sido vista em Trás-os-Montes. Na única vez em que a encontrámos, em Vimioso, perto do rio Angueira, tivemos de nos contentar com um exemplar solitário para a sessão fotográfica. Ainda assim, talvez por não exigir habitats tão encharcados, teve ela melhor sorte do que a Rorippa amphibia, que deveria existir na Beira Litoral e no Ribatejo mas poderá ter sido erradicada pela proliferação de barragens. Sorte idêntica parece reservada à Rorippa palustris se alguma vez se construir uma barragem no rio Minho.

O modo mais fiável de reconhecer a Rorippa pyrenaica é pelas folhas caulinares (ver 3.ª foto), que estão divididas em segmentos quase lineares, têm um par de aurículas na base, e apresentam pêlos dispersos ao longo do eixo. Como tira-teimas, e caso estejam presentes, convém atentar nas silíquas — que são curtas e engrossadas, bem diferentes das da Barbarea verna e das de outras crucíferas com as quais poderia ser confundida.

16/02/2016

O cravo dos cravos


Dianthus armeria L.
Algumas herbáceas hesitam entre um regime anual ou um ciclo bianual se o habitat tem poucos recursos ou é de elevado risco. O ano extra que por vezes se concedem serve para poupar as sementes que, desconfiam elas, não germinariam naquele ano em boas condições. Esta estratégia permite-lhes resistir em solos com poucos nutrientes, aguentar climas agrestes ou sujeitos a longos períodos de seca, e perdurar em locais improváveis. O cravo das fotos é um exemplo desse esforço de sobrevivência em condições extremas, nem sempre bem sucedido. As plantas do género Dianthus que ocorrem em Portugal, país rico em cravos silvestres, alguns deles endémicos, necessitam de boa exposição solar e, por isso, é frequente encontrarmos grandes populações deles em escarpas, taludes de estrada, dunas, clareiras de matos, afloramentos rochosos em leitos de cheia ou zonas pedregosas de montanha. Mas a espécie D. armeria é mais exigente, e requer prados e terrenos baldios ou em pousio na orla de bosques, com substrato arenoso ou argiloso. Além disso, tende para a indolência, e só algum distúrbio do solo no Inverno parece encorajar a germinação das sementes. Não surpreende, por isso, que os registos desta espécie em Portugal estejam confinados a meia dúzia de sítios no nordeste (embora a Flora Ibérica o assinale também na Beira Baixa) e sempre com número reduzido de indivíduos. A mesma redução de efectivos é notória em Inglaterra, Escócia e Irlanda, onde as populações decresceram para níveis alarmantes após a conversão de muitos prados em terrenos arados, florestados ou impermeabilizados — mas onde, por certo, recuperará através do zelo louvável de ecologistas, botânicos e amadores que costumamos testemunhar em outras ocasiões.

Vimos estes exemplares em Campo de Víboras, num dia de Julho quente e com muita luz, a conviver com zelhas, peónias e orquídeas. O mais alto media cerca de 60 cm, sem requebros nem a formar moitas como é comum noutras espécies de Dianthus; notavam-se-lhe bem as folhas opostas (duas por nó) e penugentas, e as rosetas basais de cor verde nítido em vez do tom glauco mais frequente na folhagem deste género. Havia poucas flores (têm cerca de 15 milímetros de diâmetro), que não são perfumadas mas são muito vistosas pelo rosa purpurino das pétalas maculado de sardas. Podem ver na última foto que elas se agrupam em cimeiras justas como vassouras, protegendo-se com enormes brácteas.

O nome vernáculo em inglês é Deptford pink, atribuído em 1633 pelo naturalista Thomas Johnson que, neste local perto de Londres, o confundiu o Dianthus deltoides. Em português não se conhece designação comum; o título acima refere-se apenas ao facto de os epítetos Dianthus e Armeria significarem ambos cravo.

09/02/2016

Jogo de cores


Prunella laciniata (L.) L.
Em grandes populações de orquídeas é frequente verem-se gradações na cor das flores e, por vezes até em percentagem elevada, plantas com flores completamente brancas ou hipocromáticas. Não se trata de plantas albinas (aquelas em que uma mudança genética impede qualquer parte de realizar a fotossíntese) pois os talos e a folhagem são verdes. Nesta família, em que há muitas espécies cujas flores não têm néctar e que atraem os polinizadores seduzindo-os ardilosamente, crê-se que as variações na cor fazem atrasar a aprendizagem dos polinizadores. É que os insectos, tal como nós, desenvolvem preferências com base em experiências anteriores e, portanto, os que são sistematicamente iludidos aprendem a evitar as flores enganadoras. No ano seguinte, as flores surgem ligeiramente diferentes, nos matizes de cor ou perfume, e o logro funciona de novo entre os polinizadores mais jovens. Todavia, para lidar com os insectos mais experientes, as orquídeas precisam de ser mais hábeis. É nesse contexto que as plantas de flores brancas são essenciais: elas criam contraste e distraem os polinizadores que estão em dúvida, levando-os a descurar o que já sabiam. Alguns estudos de campo comprovam que, nas populações com flores brancas ou com variações da quantidade de pigmento na corola, a produção de sementes é maior.

Não podemos concluir deste arrazoado que há neste procedimento um propósito, um plano prévio de evolução na natureza. O mais certo é que as mutações que dão origem ao polimorfismo cromático sejam ocasionais, ou resultado de hibridação, mantendo-se nas populações porque são benéficas em termos evolutivos — até porque tais mudanças são, em geral, geneticamente recessivas, logo os descendentes de plantas com flores brancas podem dar depois flores com a coloração padrão.

Uma população que surgiu de uma mutação e que só dá flores brancas pode isolar-se num habitat, tornar-se estável e ganhar autonomia como espécie, ainda que o processo possa levar milhares de anos a completar-se. Terá sido isso o que separou estas duas espécies de Serapias? Ou estas duas espécies de Cephalanthera? Ou a Prunella grandiflora da Prunella laciniata? Para complicar a tarefa dos cientistas, não há um só modo de se criarem espécies com flores brancas que são, em tudo o resto, semelhantes às que dão flores com outras cores. E até pode ter acontecido o contrário, ser a Prunella de flores roxas a descendente; ou terem as duas um progenitor em comum, a P. vulgaris.

A Prunella laciniata ocorre no sul e centro da Europa, norte de África e parte da Ásia. É uma planta pequena mas de base lenhosa. Os talos são penugentos e as folhas divididas, com uma a duas lacínias de cada lado (veja-se a segunda foto). A Flora Ibérica regista que a corola branca por vezes nasce púrpura. Os exemplares que vimos estavam junto a um regato em Campo de Víboras, Vimioso, um habitat notável em vegetação herbácea.


Campo de Víboras

15/09/2015

Perfume de Verão



Magydaris panacifolia (Vahl) Lange


Como um comerciante que mantém a loja aberta por ser essa a sua vida, e tem que garantir aos seus clientes que o mais recente produto para venda é uma maravilha e o melhor de sempre, mas sem desfazer dos produtos não menos extraordinários que antes vendeu aos mesmos clientes — também nós nos vemos compelidos a anunciar que esta é a nossa melhor umbelífera de sempre. Macia ao tacto (quase a diríamos aveludada), elegante no porte, disseminando um perfume de baunilha que evoca inocentes prazeres de Verão, a Magydaris panacifolia (que não tem nome em português) gratifica-nos os sentidos sem pedir nada em troca. Contudo, talvez o júri para a atribuição do prémio de beleza, picuinhas como é sua obrigação, faça reparo às folhas por destoarem do conjunto: são muito grandes, sobretudo as basais, desenhadas a traço grosso e não finamente divididas como é típico das umbelíferas; na textura, cor e nevação fazem lembrar as couves dos nossos quintais. Como atenuante há o facto de em meados de Julho, quando se dá o auge da floração, as folhas basais estarem em grande parte secas; e de, no resto do ano, essas folhas tão peculiares e inconfundíveis nos alertarem para a existência da planta, convidando-nos ao regresso na estação certa. Tudo ponderado, o júri poderá confirmar o favoritismo da Magydaris panacifolia, mas talvez a obrigue a partilhar o degrau mais alto do pódio com (pelo menos) uma dezena de outras umbelíferas.

Foi por lhe termos visto as folhas em Abril de 2014 que regressámos a Campo de Víboras (Vimioso) no Verão do ano seguinte. A julgar pelo mapa de registos no portal Flora On, a Magydaris panacifolia distribui-se, no nordeste do nosso território, por uma faixa de 30 ou 40 Km de largura ao longo da fronteira, mas no sul do país, onde é mais frequente, já se aproxima da costa. A sua predilecção por climas mediterrânicos reflecte-se na distribuição global: Península Ibérica, Marrocos, Argélia e Tunísia. A Flora Ibérica atribui-lhe uma preferência por lugares secos e terrenos baldios que, à primeira vista, não é corroborada pelos prados sombreados por freixos onde a encontrámos. Mas entre as duas visitas o lugar tinha-se transformado: as valas que irrigavam a frescura primaveril dos prados tinham secado, o verde convertera-se num amarelo de palha, o calor era sufocante já em meados de Julho.

Na falta de elementos de comparação nas fotos, é útil informar que a Magydaris panacifolia é uma planta robusta e de estatura respeitável, podendo atingir ou mesmo ultrapassar os 2 metros de altura. Ramificada, exibindo numerosas umbelas floridas, cada uma com vinte a trinta raios, é quase tão vistosa como a canafrecha (Ferula communis), outra umbelífera que abundava em Campo de Víboras. Para não roubar protagonismo à vizinha, a canafrecha tinha florido mais cedo. É que não valia a pena entrar em disputas azedas, pois no nosso pódio há lugar para todas.


Campo de Víboras — Julho de 2015 (veja aqui foto do mesmo prado em Abril de 2014)

01/09/2015

Salada de cenouras


Daucus durieua Lange
Eis uma cenoura que não serve de refeição a ninguém e pouco nos entusiasma pela formosura, a menos que a observemos com a ajuda de lupa ou de algum outro instrumento óptico. Raramente ultrapassando os 30 cm de altura, e em geral ficando-se por bem menos, o Daucus durieua é, pelo pequeno tamanho que atinge e pela discrição das suas flores, agrupadas em frouxas umbelas, o mais humilde representante do seu género na flora portuguesa. Mas a beleza, já se sabe, é uma invenção estritamente humana que está no olhar de quem vê — um olhar que não é apenas visual, mas que é alimentado pela memória, pela cultura e pelo preconceito. É assim que o Daucus durieua, que à primeira vista impressiona tão pouco, ganha a nossos olhos a súbita formosura de o sabermos raro, em Portugal praticamente confinado ao quadrante nordeste do território continental. Por o termos apenas encontrado nas minas de Santo Adrião, em Vimioso, funciona também como postal de recordação, exortando-nos ao regresso a um local feliz. Ao deslindarmos-lhe o nome e a história, outras geografias se abrem à imaginação. Foi Pierre Boissier (1810-1885), um dos grandes estudiosos da flora ibérica, quem publicou, no seu Diagnoses Plantarum Novarum Hispanicarum (1842), uma das primeiras descrições desta planta, a que chamou Durieua hispanica. Quando em 1874 o dinamarquês Johan Lange (1861–1880) a mudou para o género Daucus, onde parece ter estacionado de vez, o nome durieua foi mantido, mas como epíteto específico. É um nome que nos transporta às Astúrias e à cordilheira cantábrica numa época em que esses lugares eram quase tão remotos como as profundezas de África. O francês Michel Charles Durieu de Maisonneuve (1796–1878), ou simplesmente Durieu, foi um militar de carreira e naturalista de vocação que durante longos anos explorou, quase sempre sozinho, as acidentadas montanhas e desfiladeiros do extremo norte da península em busca de novidades botânicas. Uma das que encontrou foi esta, justificando a homenagem de Boissier. Quem arranhar o latim pode tirar algum proveito da dedicatória original (extraída daqui): Dicatum cl. Durieu qui Asturias, variasque alias partes Hispaniae perlustravit, ibique pulchras stirpes detexit et nunc plagas Africae borealis jam a tribus annis peragrat, floram que Atlanlicam locupletat.


Daucus muricatus (L.) L.


O Daucus muricatus, que encontrámos nas faldas da serra de Alvaiázere e é o segundo ingrediente da salada que hoje servimos aos leitores, tem um porte mais robusto (pode atingir 1 m de altura) e flores mais abundantes e vistosas, com as pétalas externas bem maiores do que as restantes. Essa forma das flores, conjugada com os frutos eriçados de pêlos brancos (como é habitual no género Daucus), repete-se em algumas outras umbelíferas, em particular nas do género Torilis, e por isso não permite por si só uma identificação inequívoca. Para dissipar dúvidas, podem observar-se as folhas, que no Daucus muricatus são bastante distintivas pelo seu aspecto alongado e farfalhudo.

Distribuída pelo centro e sul do país, em especial sobre substratos calcários ou margosos, a cenoura-áspera (qualidade a que se refere o epíteto muricatus com que Lineu a baptizou) é nativa de boa parte da bacia mediterrânica, desde Portugal até à Itália e desde Marrocos até à Líbia.