01/09/2015

Salada de cenouras


Daucus durieua Lange
Eis uma cenoura que não serve de refeição a ninguém e pouco nos entusiasma pela formosura, a menos que a observemos com a ajuda de lupa ou de algum outro instrumento óptico. Raramente ultrapassando os 30 cm de altura, e em geral ficando-se por bem menos, o Daucus durieua é, pelo pequeno tamanho que atinge e pela discrição das suas flores, agrupadas em frouxas umbelas, o mais humilde representante do seu género na flora portuguesa. Mas a beleza, já se sabe, é uma invenção estritamente humana que está no olhar de quem vê — um olhar que não é apenas visual, mas que é alimentado pela memória, pela cultura e pelo preconceito. É assim que o Daucus durieua, que à primeira vista impressiona tão pouco, ganha a nossos olhos a súbita formosura de o sabermos raro, em Portugal praticamente confinado ao quadrante nordeste do território continental. Por o termos apenas encontrado nas minas de Santo Adrião, em Vimioso, funciona também como postal de recordação, exortando-nos ao regresso a um local feliz. Ao deslindarmos-lhe o nome e a história, outras geografias se abrem à imaginação. Foi Pierre Boissier (1810-1885), um dos grandes estudiosos da flora ibérica, quem publicou, no seu Diagnoses Plantarum Novarum Hispanicarum (1842), uma das primeiras descrições desta planta, a que chamou Durieua hispanica. Quando em 1874 o dinamarquês Johan Lange (1861–1880) a mudou para o género Daucus, onde parece ter estacionado de vez, o nome durieua foi mantido, mas como epíteto específico. É um nome que nos transporta às Astúrias e à cordilheira cantábrica numa época em que esses lugares eram quase tão remotos como as profundezas de África. O francês Michel Charles Durieu de Maisonneuve (1796–1878), ou simplesmente Durieu, foi um militar de carreira e naturalista de vocação que durante longos anos explorou, quase sempre sozinho, as acidentadas montanhas e desfiladeiros do extremo norte da península em busca de novidades botânicas. Uma das que encontrou foi esta, justificando a homenagem de Boissier. Quem arranhar o latim pode tirar algum proveito da dedicatória original (extraída daqui): Dicatum cl. Durieu qui Asturias, variasque alias partes Hispaniae perlustravit, ibique pulchras stirpes detexit et nunc plagas Africae borealis jam a tribus annis peragrat, floram que Atlanlicam locupletat.


Daucus muricatus (L.) L.


O Daucus muricatus, que encontrámos nas faldas da serra de Alvaiázere e é o segundo ingrediente da salada que hoje servimos aos leitores, tem um porte mais robusto (pode atingir 1 m de altura) e flores mais abundantes e vistosas, com as pétalas externas bem maiores do que as restantes. Essa forma das flores, conjugada com os frutos eriçados de pêlos brancos (como é habitual no género Daucus), repete-se em algumas outras umbelíferas, em particular nas do género Torilis, e por isso não permite por si só uma identificação inequívoca. Para dissipar dúvidas, podem observar-se as folhas, que no Daucus muricatus são bastante distintivas pelo seu aspecto alongado e farfalhudo.

Distribuída pelo centro e sul do país, em especial sobre substratos calcários ou margosos, a cenoura-áspera (qualidade a que se refere o epíteto muricatus com que Lineu a baptizou) é nativa de boa parte da bacia mediterrânica, desde Portugal até à Itália e desde Marrocos até à Líbia.

2 comentários :

Carlos M. Silva disse...

A inflorescência ou é já a frutificação? (na 1ª foto), dão um ar belíssimo a esta planta.
E vocês alargam o baú do que os leigos-leigos não conhecem!
Obrigado.
Carlos M. Silva

bea disse...

É verdade que esses frutos não apetecem de tanto espinho. Mas as flores...são bonitas.