Em São Jorge, com um brilho nos olhos
O género Euphrasia, da família Orobanchaceae, abriga cerca de três centenas de espécies de plantas hemiparasitas, algumas minúsculas, outras com porte arbustivo, e outras ainda podendo não depender de um hospedeiro para sobreviver. Na Península Ibérica, conhecem-se nove espécies e mais uns poucos híbridos. A Flora Ibérica aponta consolo-da-vista como nome comum em português para as plantas do género Euphrasia, alegando o seu uso tradicional para alívio de males dos olhos. Custa a crer, porém, que por cá (no continente) haja alguma designação vernácula para elas, pois só há registo de duas espécies, a E. hirtella e a E. minima, ambas com presença muito escassa e apenas na região de Trás-dos-Montes.
A destrinça entre as muitas espécies de Euphrasia nem sempre é fácil porque a hibridação é frequente neste género que, além de exibir esquemas bastante eficientes de adaptação a novos habitats, parecendo mesmo beneficiar de algum isolamento geográfico, sabe activar, se necessário, mecanismos de transição para uma auto-polinização dominante. São mais frequentes em regiões de clima temperado, notando-se que as de montanha são, em geral, anuais e pequeninas, como as três ou quatro espécies que vimos em flor na Cantábria em Julho, e que não ultrapassavam os 5 centímetros de altura.
Neste contexto, os dois endemismos açorianos, a E. grandiflora e a E. azorica, ocupam um nicho muito especial: no hemisfério norte, só as Euphrasias açorianas são plantas perenes. São espécies muito raras e receia-se que estejam em declínio, apesar de ambas constarem da Convenção de Berna e da Directiva Habitats como muito vulneráveis, a exigir medidas de conservação imediatas.
Sendo ambas herbáceas erectas e altas (quase meio metro de altura), é fácil distingui-las pelas folhas (opostas, obcordiformes, de pecíolo curto e nervuras em leque, mas na E. azorica parecem romboidais por causa do ápice aguçado), através da arquitectura da folhagem (na E. grandiflora a ramificação nos talos parece começar mais perto da base das plantas) e pelo tamanho das flores (apesar do nome, os cálices da E. grandiflora são menores). Mas ainda que estivéssemos desatentos a estes pormenores morfológicos, a confusão não seria possível: a E. azorica só ocorre nas ilhas das Flores e Corvo, onde habita sítios húmidos de ravinas, crateras e rochedos de lava entre os 100 e os 500 metros de altitude, enquanto que a E. grandiflora é herbácea de montanha, acima dos 750 metros, e só existe no grupo central do arquipélago. Aparece em clareiras de matos de Erica azorica e Juniperus brevifolia, ou em prados naturais de zonas declivosas junto a escoadas lávicas ou bordos de crateras. Julga-se que parasita gramíneas endémicas (Festuca francoi, Deschampsia foliosa ou Holcus rigidus) ou asteráceas também endémicas (Tolpis azorica, Lactuca watsoniana, Leontodon filii).
Na ilha do Pico (onde foi recolhido o holótipo com que Watson descreveu a E. grandiflora em 1844) resta uma população pequena; na Terceira só se conhece um número reduzido de indivíduos na serra de Santa Bárbara; há registos antigos da sua presença no Faial, mas julga-se que ali está agora extinta; e na Graciosa nunca foi avistada.
É na ilha de São Jorge que moram as populações mais abundantes. E foi no Pico da Esperança e em pastagens do Planalto Central que a vimos no ano passado (em Junho, só as folhas) e a revimos este ano, em Agosto, já em flor.
3 comentários :
Maravilhas!
Uma verdadeira maravilha! Não há ilhas melhores que os Açores!!
Pois são!
Enviar um comentário