23/03/2016

Agulhetas


Erodium botrys (Cav.) Bertol.
Embora pouca gente tenha consciência disso, o mistério dos bicos-de-cegonha é pelo menos tão aliciante como o das girafas. Por que razão os frutos dos gerânios e aparentados são tão desmesuradamente compridos, fazendo lembrar agulhas ou os bicos de certas aves? É certo que são agulhas de ponta mole, pouco aguçadas, e por isso não funcionam como defesa contra os herbívoros. Porém, à semelhança do que sucede com as vagens de certas leguminosas, os frutos, ao secarem, abrem de forma violenta, arremessando as sementes para longe. No caso dos Erodium, essas sementes têm uma longa cauda que, além de funcionar como mola, se entrega, quando depara com alguma humidade, a um contorcionismo frenético, tentando perfurar o solo como se de um parafuso se tratasse (vídeo). Uma semente que aprendeu a ser semeadora, abrindo um buraco para nele se enfiar... Quem disse que as plantas não têm inteligência? Que processo evolutivo pôde dar origem a um mecanismo destes? No fim de contas, talvez o pescoço da girafa seja mais fácil de explicar.

Plantas oportunistas e desprestigiadas, frequentadoras de relvados, de jardins ao abandono e de bermas de caminhos, mas também de prados naturais, os Erodium dão flores bonitas que ganham em ser vistas ao perto mas valem igualmente pelo conjunto. O E. botrys distingue-se pelas flores comparativamente grandes e de formato campanulado, com as pétalas sobrepondo-se umas às outras (no E. moschatum e no E. cicutarium as pétalas são mais estreitas e estão bem separadas), mas é pelos frutos que ele mais se destaca entre os congéneres. São 13 cm bem medidos desde o cálice até à ponta do bico, o que quase duplica a melhor marca da concorrência. Longbeak stork's bill, um dos nomes que os anglo-saxónicos lhe dão, é um justo reconhecimento da sua valia atlética.

Nativo da região mediterrânica e naturalizado nos EUA, Austrália e Nova Zelândia, o Erodium botrys, ainda que seja pouco frequente no Minho e Douro Litoral, surge em quase todo o território continental e também no arquipélago da Madeira. O seu calendário oficial de floração vai de Março a Junho, mas, como acontece com muitas outras plantas ruderais, não desperdiça nenhuma ocasião, mesmo fora da época, para aparecer e cuidar da vida.

9 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Estou encantado! Conheço a dita cuja. Também a conheço com o nome de relógio, talvez pela mania que tem de rodopiar sobre o seu eixo. Pensava eu que o mecanismo visava simplesmente a fixação da semente ao pelo dos animais, para facilitar a boleia para outras paragens. Desconhecia o efeito berbequim... Estou encantado!

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário, Rafael. Eu comecei por ver esses vídeos com alguma incredulidade, mas não há qualquer truque e as sementes comportam-se mesmo como perfuradoras.

bea disse...

Também conhecia a planta ignorando-lhe o estratagema reprodutor

bea disse...

Boa Pascoa!:)

Paulo Araújo disse...

Uma boa Páscoa também para si. E obrigado por comentar aqui tão assiduamente.

jj.amarante disse...

Depois de ler este seu post fotografei umas plantas que tinha visto no bairro dos Olivais em Lisboa e que tinham umas agulhas também de "ponta mole",que mostro neste post: http://imagenscomtexto.blogspot.pt/2016/03/primavera-de-2016.html. Será a mesma planta? O vídeo que referencia é espectacular! Boa Páscoa!

Paulo Araújo disse...

A planta que fotografou não é a que mostro no meu texto, mas também é do género Erodium, e é possível que as sementes tenham comportamento igual ao das do vídeo. Trata-se do Erodium moschatum, muito frequente em relvados urbanos -- já se falou dela aqui. Votos de boa Páscoa também para si.

jj.amarante disse...

Não tive paciência nem engenho para fazer um vídeo mas pus 4 agulhas a germinar e passada uma semana apareceram as sementes com cauda helicoidal como mostro aqui: http://imagenscomtexto.blogspot.pt/2016/04/erodium-moschatum.html

Paulo Araújo disse...

Muito obrigado por ter feito a experiência e nos ter mostrado o resultado. Essas sementes, além de serem muitas por cada "agulha", devem ter uma grande capacidade de germinação.