12/03/2016

Salada de espinhos



Onopordum acanthium L.


Há frutos e verduras que, tradicionalmente, só eram comidos pelos bichos, até que alguns citadinos tocados pela nostalgia do campo descobriram que também podem comê-los com gosto. As bolotas da azinheira doce (Quercus rotundifolia) são, ao que dizem os convertidos, tão saborosas como as castanhas, não se justificando, alegam eles, que tal acepipe seja reservado aos porcos. E são inúmeras as ervas espontâneas (como a chicória, a beldroega e as urtigas) que, usadas em sopas ou saladas, são um condimento pelo menos tão agradável como as couves e alfaces cultivadas em hortas. Mesmo alguns cardos de porte avantajado podem (como nos ensina o João Gomes) servir de refeição, embora apenas quando as folhas são ainda tenras.

O aspecto agressivo do cardo que hoje trazemos ao escaparate desencoraja qualquer apetite; e, de facto, embora tenha aplicações medicinais, não consta que ele seja normalmente usado na dieta humana. O nome Onopordum diz-nos porém que é comido pelos burros, seja porque lhes agrada, seja por não terem nada mais palatável em que pôr o dente. Não é impossível que, em Portugal, a dieta asinina obedeça ainda a essa tradição: os burros já são poucos, mas em Trás-os-Montes ainda se vão vendo, e é também no nordeste do país que se concentra a distribuição nacional deste cardo. Que, de resto, é nativo de quase toda a Europa (a excepção é a Escandinávia) desde a Península Ibérica até à Rússia, e está naturalizado — e até assinalado como invasor — nos EUA, Austrália e Nova Zelândia.

O cardo-dos-burros é, noutras paragens, conhecido como cotton thistle graças à lanugem branca que recobre folhas e caules. Com um ciclo de vida bienal, desenvolve uma roseta basal de folhas no primeiro ano e floresce no segundo, produzindo então uma quantidade assombrosa de sementes (diz-se que até 40000 por indivíduo). Atinge os dois metros de altura, as hastes estão guarnecidas por membranas espinhentas, e as folhas caulinares, que são decurrentes, têm os dentes também rematados por compridos espinhos. Os capítulos florais, que têm uns 3 a 5 cm de diâmetro, apresentam forma achatada e, entre Maio e Julho, surgem solitários ou em grupos de 2 ou 3 na extremidade das hastes.

Como tantos outros cardos, o Onopordum acanthium prefere lugares perturbados como bermas de estrada e terrenos baldios. É algo surpreendente que uma espécie tão prolífera e de ecologia tão pouco exigente se mantenha confinada a uma área restrita do nosso território.

2 comentários :

bea disse...

Sempre me impressionou que os burros os mastigassem e engolissem na maior sem ficar a zurrar de aflição e dor.Os picos de cardo são bem difíceis de extrair e, antigamente, a flor do cardo era utilizada pelos alentejanos para provocar o coalho no leite no processo de fazer queijos. Ainda bem que se restringem a poucos lugares.
BFS

Luis Filipe Gomes disse...

Os cardos eram plantados pelos pastores. As meninas pelo Santo António e pelo São João também os plantavam após queima e formulação de desejo por namorado. O desenho de cardos constituía uma das provas de mestria para os alunos da Bauhaus, mas a tradição vem de longe pelo menos desde Dürer. Quem os tenha observado bem sabe da espinhosa tarefa que é o seu desenho. A parte boa para a sopa é a parte mais grossa junto ao solo.