25/05/2010

Pais & filho

Narcissus bulbocodium L. subsp. bulbocodium

Narcissus triandrus L.

Narcissus bulbocodium X Narcissus triandrus

Não é só para os cientistas que classificar é tarefa gratificante. Aos amadores, no duplo sentido, também parece que, arrumando a casa, se entende melhor o mundo. E, nesse âmbito, o narciso da terceira linha de fotos é um desafio. Os testes de paternidade, a datação de fósseis pelo carbono 14 ou a verificação da autoria de uma obra de arte valem-se de testes rigorosos — essencialmente matemáticos — que, para darem uma resposta segura, precisam de trabalhar informação minuciosa e não apenas indícios. Nós, apreciadores sem meios para julgar, limitámo-nos a um exercício fantasioso de comparação de vestígios, o qual, naturalmente, nos proporcionou a solução que desejávamos.

Encontrámos este narciso incógnito no Gerês, quando a época de floração do N. triandrus (angel's tears, da secção Ganymedes) já estava a terminar e a do N. bulbocodium (hoop-petticoat daffodil, da secção Bulbocodii) no seu início. Nessa intersecção breve não é improvável que uma abelha tenha efectuado a polinização cruzada entre as duas espécies, criando um híbrido silvestre que talvez venha a ser bem sucedido. Como explicaremos, este filhote parece uma média, qual café com leite, dos nossos candidatos a progenitores.

Todas as flores dos narcisos — perfumadas, de tonalidades entre o branco e o amarelo, ocasionalmente verdes, com matizes de laranja — têm uma corola de seis pétalas mais ou menos reflexas, unidas em tubo e formando uma gola da coroa central. No N. bulbocodium (comum no sudoeste da Europa e no norte de África) elas são em geral solitárias, de cor amarelo-dourado, com uma coroa em funil que lembra, na forma e na pose, uma trombeta; as pétalas são curtas, estreitas, pontiagudas e não reflexas; brácteas castanhas, como folhas secas, enfaixam a base da flor até à corola de pétalas; e, em alguns exemplares, de perfil mal se vislumbra o estilete. Pelo contrário, o N. triandrus (da Península Ibérica) produz hastes de 1-6 flores de cor creme que parecem cabecear, com as pétalas largas e notoriamente recurvadas para trás, coroa arredondada como uma campânula e um estilete saliente; as brácteas protectoras cingem apenas o pecíolo que sustenta a flor.

E como é o rebento? Recebeu do N. bulbocodium a postura erecta e um pouco de amarelo — mas não é tão dourado, a coroa não é em funil e as pétalas não são fininhas. Comum ao N. triandrus só a forma da coroa, a corola de pétalas largas e as brácteas curtas: a flor-filha é maior, não é tão clara nem pendente, e as pétalas são quase perpendiculares à taça.

Como são herbáceas perenes, espetámos uma bandeirinha no local, esperando lá encontrar, para o ano, netos ainda mais engraçados.

2 comentários :

Luz disse...

Que bom é passar por este blogue. Tem sempre uma surpresa agradável para nós. Hoje foram as campaínhas(Narcisos) que já não encontro na zona de Sintra há alguns anos. Foi tão bom vê-la aqui!!!
Obrigado
Luz

GPC disse...

Este continua a ser o mais útil, o mais bonito e o melhor blogue português.