Abutres do Rei
Há pessoas que representam numa ordenação assaz estranha as épocas ao longo das quais vai progredindo a formação de uma nação. Imaginam que inicialmente um povo se encontraria reduzido a um estado de animalidade rude e selvagem; que, passado algum tempo, os homens teriam experimentado a falta de uma melhoria no plano moral, tendo portanto de estabelecer a ciência da virtude; que, para introduzir os respectivos ensinamentos, teriam pensado em torná-los sensíveis por intermédio de belos exemplos, e que desta maneira teria sido inventada a Estética; que, daí em diante, com o auxílio das prescrições da Estética, se teriam produzido símbolos dotados de beleza, e que por essa via se teria chegado à origem da arte; e que, por meio da arte, esse povo seria finalmente conduzido ao grau mais elevado da cultura humana. Tais pessoas deviam ficar a saber que, pelo menos com os Gregos e os Romanos, tudo se passou na ordem exactamente inversa. Esses povos começaram com a sua época heróica, que indubitavelmente foi a mais elevada a que alguém poderá alcandorar-se; quando deixaram de dispor de heróis no plano das virtudes humanas e civis, passaram a criá-los em formas poéticas; quando já não conseguiam criá-los sob essas formas espontâneas, inventaram as regras para o fazer; quando se enredaram em tais regras, criaram, por abstracção, a sabedoria universal; e, quando chegaram ao fim, tinham-se tornado maus.
Henrich von Kleist, Sobre o Teatro de Marionetas e Outros Escritos (trad. José Miranda Justo, Antígona, 2009)
2 comentários :
Bom, a família é vastíssima. Mais um belíssimo exemplar.
E além de bonito, é alto - e por isso fácil de encontrar.
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