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20/01/2015

Erva das feridas


Stachys palustris L.
Se um botânico com um conhecimento enciclopédico da flora europeia fosse largado, sem instrumentos de orientação, num bosque ou prado algures na Europa, ele deveria ser capaz, observando o mundo vegetal à sua volta, de indicar com razoável aproximação o país e a província onde se encontrava. Claro que, para o teste ser viável, teria que se tratar de uma zona pouco ou nada alterada pelo homem, sem espécies introduzidas que tivessem roubado espaço às plantas indígenas. Também conviria que as plantas observadas fossem as mais frequentes e características da região em causa, pois um nicho ecológico pejado de raridades poderia induzir conclusões erradas. Se, por exemplo, esta Stachys palustris estivesse visível, então o nosso botânico poderia deduzir, com alguma segurança, que não se encontrava em Portugal. A espécie está, de facto, presente no nosso país, mas de um modo tão escasso e residual que a probabilidade de darmos de caras com ela por acaso é ínfima. Indica Franco na Nova Flora de Portugal que ela ocorre apenas no Baixo Mondego, o que é confirmado pelo único registo da espécie no portal Flora On. Sabedor dessas circunstâncias, o nosso povo, segundo a Flora Iberica, ter-se-á apressado a chamar-lhe rabo-de-raposa-do-Baixo-Mondego. É um nome tão quilométrico que até cansa pronunciá-lo, mas felizmente são raras as oportunidades para o fazer.

No resto da Península Ibérica, a Stachys palustris é pouco frequente, estando confinada ao extremo norte ou nordeste, mas se ultrapassarmos os Pirenéus o caso muda de figura: na Europa central e nas ilhas britânicas ela é ocupante habitual de bosques e terrenos húmidos, valetas, margens de rios e até orlas de campos cultivados. Observando que a planta da foto se abrigava numa mata de avelaneiras (Corylus avelana), fazendo-se acompanhar por herbáceas como Anemone nemorosa, Ajuga reptans e Lysimachia nemorum, e fetos como Dryopteris dilatata, talvez o nosso botânico apostasse que se encontrava na ilha de Sua Majestade. E foi na verdade em Loder Valley, uma área de reserva natural gerida pelos Kew Gardens, que estas imagens foram captadas em Agosto de 2009.

Não sendo macia e felpuda como a teutónica Stachys germanica, que apesar do nome é abundante nos calcários do centro e sul de Portugal, a Stachys palustris, se atentarmos nela com imparcialidade, leva clara vantagem na beleza das flores. Destoando da família que integram, e que inclui tomilhos, lavandas e oregãos, as plantas do género Stachys são pouco ou nada olorosas, falha compensada pela farta produção de néctar que as torna muito populares entre as abelhas. Marsh woundwort é como chamam os anglo-saxónicos à Stachys palustris, o que denuncia antigos usos medicinais. De floração estival, é uma herbácea perene, rizomatosa, dotada de hastes não ramificadas capazes de atingir uns 70 cm de altura.

12/10/2011

Campainhas transalpinas

Campanula fragilis Cirillo subsp. fragilis


Nomes vulgares: campanula napoletana, Italian bellflower
Ecologia e distribuição: endemismo do centro e sul de Itália, ocupa fendas de rochas calcárias no litoral
Época de floração: Julho a Setembro
Data e local das fotos: Agosto de 2009, Alpine House, Kew Gardens
Informações adicionais: planta perene, com hastes prostradas de 20 a 40 cm de comprimento e flores com cerca de 3 cm de diâmetro, agrupadas em corimbos

03/10/2011

A largueza do escudo

Dryopteris dilatata (Hoffm.) A. Gray


Por motivos difíceis de sondar, os britânicos chamam buckler fern aos fetos do género Dryopteris - que são, em geral, de porte avantajado e costumam preferir bosques e ambientes sombrios. O outro significado da palavra buckler - pequeno escudo redondo usado na Idade Média em combates homem a homem - em nada evoca a aparência destas plantas. Poderá tratar-se de uma convergência fonética e ortográfica de palavras com etimologia distinta. Um pouco como sucede com o acordo ortográfico que vem desfigurando a nossa língua: daqui a uns anos perguntar-nos-emos por que diabo chamamos espetador, palavra que melhor se ajusta a um toureiro ou ao dono de uma churrascaria, a quem se senta pacificamente para assistir a uma sessão de cinema.

Mesmo desconfiando da sua justeza, a designação broad buckler fern para o Dryopteris dilatata já nos forneceu, em tradução enviesada, o título deste escrito. É justo que assim seja, pois três das fotos acima são inglesas, tiradas que foram num bosque de avelaneiras em Loder Valley, a reserva natural anexa a Wakehurst Place, sucursal dos Kew Gardens no condado de Sussex. Nessas fotos, datadas do início de Maio de 2010, vemos as frondes jovens ou ainda embrionárias do feto. Só uns meses depois surgiriam os soros no verso das pínulas, e por isso a terceira imagem foi captada em Portugal, nas margens de um bonito ribeiro no concelho de Barcelos. No nosso país, ao contrário do que sucede na ilha de Sua Majestade, o Dryopteris dilatata é um feto pouco comum, mas vai aparecendo aqui e ali em matas caducifólias, de preferência ribeirinhas, das províncias do Minho e do Douro Litoral.

Tal como as de outros fetos congéneres (como o D. affinis), as frondes do D. dilatata são grandes, atingindo mais de um metro de comprimento, e aparecem dispostas em tufo, formando uma espécie de taça. Uma diferença essencial entre estas duas espécies é que o D. affinis tem frondes bipinadas, enquanto que o D. dilatata as tem tripinadas. Expliquemo-nos: um feto é constituído por uma parte subterrânea ou rastejante - o rizoma - de onde saem as hastes que sustentam as frondes. Cada haste corresponde a uma única fronde ou folha, por muito dividida que ela se apresente. Tanto no D. dilatata como no D. affinis, cada fronde está dividida em segmentos horizontais (chamados pinas) dispostos aos pares ao longo da haste (ou ráquis). Cada uma das pinas, por sua vez, é composta por segmentos menores, chamados pínulas. No D. affinis o processo termina aí, mas no D. dilatata há uma divisão adicional: cada pínula é formada por segmentos ainda menores, ou de terceira ordem (clique na quarta foto para ampliar) a que já parece forçado dar nome (pinúlula? subpínula?).

Uma peculiaridade do Dryopteris dilatata é que os segmentos de última ordem são dentados e cada um dos dentes se prolonga num pequeno bico. Outra marca distintiva são as escamas lanceoladas, castanho-escuras, que se observam na base da haste (segunda foto). Mas para quê determo-nos nestas minudências?, pergunta o leitor. Há algum outro feto que com ele se possa confundir? De facto há: tanto o D. guanchica como o D. expansa, ambos presentes em Portugal continental, se parecem muito com ele. Mas os dois são muito raros e o segundo só existe por cá nos cumes da serra da Estrela, pelo que o risco de confusão é mínimo.

22/06/2011

Viola da Austrália

Viola hederacea
Nome vulgar (na Austrália): native violet
Ecologia e distribuição: lugares húmidos na metade oriental da Austrália, Tasmânia e Malásia
Época de floração: quase todo o ano
Data e local das fotos: Agosto de 2008, Kew Gardens
Informações adicionais: as hastes floridas têm cerca de 8 cm de altura, e as folhas (suficientemente semelhantes às da hera para justificar o epíteto específico) têm uns 2 cm de diâmetro; trata-se de uma planta estolhosa, capaz de cobrir grandes extensões de terreno por reprodução vegetativa

10/09/2010

Dos rios que correm no Oeste

Darmera peltata (Torr. ex Benth.) Voss
Também eu, que visitei os EUA uma única vez, trago comigo uma América mental em nada enriquecida ou modificada por tão breve estadia. Trago até várias: a América dos filmes (quem pode hoje escapar dela?) e a América dos livros para rapazes que li na transição para a adolescência. São duas Américas incomunicantes: uma está cristalizada, a outra renova-se a cada ida ao cinema. A América dos filmes confunde-se com o mundo inteiro, mas a que me ficou das leituras desordenadas só a mim pertence.

Que livros eram esses? Lembro-me das biografias dos heróis do Oeste (Davy Crockett, Buffalo Bill, Kit Carson) e sobretudo de um livro com o título A caminho de Ohio. Sei hoje que o estado de Ohio não é propriamente no extremo oeste do continente americano, mas a história da família que venceu dificuldades inconcebíveis para chegar à terra prometida (paisagens verdejantes, rios banhando solos generosos) ficou-me a simbolizar a saga dos pioneiros que atravessam continentes. Quem deixasse para trás o Atlântico só alcançando a costa do Pacífico poderia fugir ao deserto: era assim a minha geografia do Novo Mundo. E não guardei os livros que sustentaram tal tresleitura. Se calhar eram maus livros, tal como eu era mau leitor. Registo que a autora de A caminho de Ohio (que na língua original se chamou By wagon and flatboat e teve a primeira edição em 1938), apesar de usar o nome sonante de Enid La Monte Meadowcroft, foi muito maltratada pela posteridade. Não há edições correntes dos seus livros e nem sequer a Wikipedia a conhece.

Como hoje tais livros ingénuos já não me fazem viajar, recorro às plantas. Para despoletar o efeito alucinogénio (muito moderado, é certo) basta vê-las e conhecer-lhes a história. A Darmera peltata, por exemplo, é originária de uma faixa que se estende do norte da Califónia ao sul do Oregon, onde vegeta nas margens de riachos de montanha. Quantas vezes os heróis do Oeste (ou os vilões por eles perseguidos) não pernoitaram com as suas montadas (no Oeste não há cavalos, só montadas) junto a um desses riachos floridos? Infelizmente os digests biográficos para crianças ou adolescentes não se detinham em descrições do mundo natural. Só agora, já adulto, é que a imagem fica completa.

A Darmera peltata é peculiar por as inflorescências — em hastes que podem superar 1 m de altura — surgirem desacompanhadas da folhagem. As folhas, que aparecem só no Verão e têm cerca de 60 cm de comprimento, são lobadas e ligam-se aos pecíolos pelo centro da face inferior. Esse arranjo, que faz lembrar um guarda-chuva e aliás explica o epíteto peltata, justifica que um dos nomes comuns da espécie seja umbrella plant.

28/08/2010

Lezíria


Lysichiton americanus Hultén & H. St. John
     São duzentas mulheres. Cantam não sei que mágoa
Que se debruça e já nem mostra o rosto.
Cantam, plantadas n'água,
Ao sol e à monda neste mês de Agosto. 

Cantam o Norte e o Sul duma só vez. Cantam baixo, e parece Que na raiz humana dos seus pés Qualquer coisa apodrece.

Miguel Torga (Diário I, 1941)

05/07/2010

Loder Valley

Sequoiadendron giganteum
mansão em Wakehurst Place / vistas de Loder Valley
Não muito longe do aeroporto de Gatwick, no condado de Sussex, existe um jardim botânico que só não rivaliza com os Kew Gardens porque é gerido pela mesma instituição. Wakehurst Place (assim se chama o jardim) é, de facto, uma sucursal dos Kew Gardens incrustada na bucólica e ondulante província inglesa. E esse é o primeiro ponto a seu favor: não é um oásis no meio de um subúrbio incaracterístico, mas sim um local onde uma envolvente naturalmente verdejante é sublimada pela arte da jardinagem. Uma arte de efeitos calculados, mas também discreta no modo como o artificialismo de um jardim, que se estende ao longo de um riacho com pedras e cascatas ao jeito japonês, se dilui gradualmente em bosques de grandes árvores que mal traem a sua origem exótica. E mesmo esse quase nada de exotismo acaba por soçobrar em Loder Valley, reserva natural de 60 hectares centrada num grande lago e formada por bosques, prados e terrenos húmidos. (O lago chama-se Ardingly Reservoir e é na verdade um reservatório de água.)

Wakehurst Place é pois o lugar onde a jardinagem e o coleccionismo botânico se deixam como que dissolver na natureza. E o terreno acidentado onde o jardim se desenvolve potencia a existência de nichos recatados que — muito mais do que nos Kew Gardens, onde à planura do terreno acresce a multidão de visitantes — parecem muito longe do bulício moderno.

[Já se adivinha que o maior óbice é a dificuldade em lá chegar não se indo de automóvel, mas Wakehurst Place é servido por autocarros que, três ou quatro vezes por dia (excepto aos domingos), fazem a ligação à vila de Haywards Heath, de onde há comboios frequentes para Londres. Quem planeie uma visita deverá estudar os horários com atenção.]

Cumpridas já duas visitas, ainda não consegui pôr os pés (ou os olhos) em grande parte dos 200 hectares que perfazem Wakehurst Place, e nem sequer conheço o Banco de Sementes para o Milénio. Em ambas as ocasiões gastei três ou quatro horas no circuito que percorre de uma ponta a outra a reserva de Loder Valley, e não sobrou tempo para mais. Os bosques são dominados por avelaneiras, mas também há bétulas, amieiros, faias e carvalhos. Várias parcelas de bosque, sobretudo de avelaneiras e de faias, são desbastadas periodicamente (talvez de 20 em 20 anos), numa prática que vem de tempos antigos e ajuda a manter o ecossistema em equilíbrio: há plantas que só com essa luminosidade extra conseguem medrar. Depois de cortadas pela base, árvores e arbustos voltam a brotar de raiz, e em meia-dúzia de anos o bosque refaz-se. A lenha resultante é vendida na loja do jardim com o selo BarbiKew.

Uma vez por outra, junto ao lago, abre-se uma clareira no arvoredo e surgem prados pontilhados por flores silvestres. Têm elas a fortuna de escapar ao pisoteio porque as visitas à reserva são, em cada dia, limitadas a 50 pessoas; e, pelo que pude ver, é comum ficarem muito aquém desse número.

Ajuga reptans L.
A flora das ilhas britânicas é bem menos rica e diversa do que a nossa, mas em todo o caso, e se descontarmos a exuberância dos bluebells, o início de Maio nunca seria a melhor altura para a observar; teria sido preferível fazê-lo em meados de Junho. Porque ainda não tinha comparecido no blogue, de tudo quanto vi escolhi mostrar a búgula (Ajuga reptans), uma bonita plantinha de uns 20 cm de altura que é também espontânea em Portugal. Por cá começa a florir logo em Março, e abunda especialmente em lugares sombrios e húmidos do noroeste do país. Multiplicando-se por estolhos, é frequente formar populações numerosas. Mesmo sendo atrevida e expansionista, caiu nas boas graças dos jardineiros, talvez por se assemelhar a uma vela onde crepita uma chama vermelha com laivos de azul.

31/05/2010

A vida simples

Queen Charlotte's Cottage — Kew Gardens
Esta cottage com o tradicional revestimento de colmo foi construída entre 1754 e 1771 para entretenimento da realeza. A rainha consorte Charlotte (1744-1818, de seu nome completo Charlotte de Mecklenburg-Strelitz, casada com Jorge III de Inglaterra) tê-la-ia usado para piqueniques e para fugir à pompa opressiva da corte. Depois da morte do casal reinante, a cottage não mais foi usada pelos seus descendentes; e, em 1898, por doação da rainha Vitória, a casa e o carvalhal circundante foram integrados nos Kew Gardens. Foi um modo feliz de celebrar uma rainha que, pelo seu patrocínio dos estudos botânicos, encorajou o desenvolvimento dos próprios Kew Gardens, e que tem o seu nome ligado a uma popular planta ornamental sul-africana, a Strelitzia reginae.

Hoje em dia a cottage está aberta a qualquer visitante, e até tem à entrada um porteiro envergando rigoroso traje setecentista. Mas, por muito interessante que ela seja por dentro, é o seu enquadramento num bosque frondoso que a transforma num lugar raro. São quinze hectares de um carvalhal maduro, com uma idade calculada de trezentos anos. Prova dessa antiguidade são os bluebells que, entre Abril e Maio, fazem brilhar o chão de azul. Já antes aqui falámos deles, e é escusado reiterar o que então dissemos. Ficam aqui a pontuar a passagem do tempo com um regresso que é sempre uma renovação.

(E deixam também um aviso a quem não tem o cuidado de ver onde se senta.)


Hyacinthoides non-scripta (L.) Chouard ex Rothm.

29/05/2010

Três cores ao atropelo

Tropaeolum tricolor Sweet

.....Embora ele se inclinasse bem sobre a beira,
.....A água estava demasiado em baixo para ser vista.

....."O tempo, percebemos", observou alguém
.....Na sua cabeça, "é apenas o ritmo

.....A que o passado se deteriora." E, assim,
.....Deixou escapar devagar por entre os seus dedos

.....Uma ou duas recordações especiais que calhava
.....Ter ali consigo, ficando depois a ouvir

.....Atentamente o seu eco enfraquecido.

.....Neil Curry (O Poço, trad. Francisco J. Craveiro de Carvalho)

22/03/2010

Primavera oriental

Primula japonica A. Gray
Tenho um vizinho que, gostando embora de plantas e cultivando uma variedade razoável delas no seu minúsculo jardim, revela alguma dificuldade com os nomes científicos. Como não gosta de fazer má figura, recorre amiúde a uma ou duas muletas de efeito assegurado. Uma delas é socorrer-se do epíteto japonica. São tantas as plantas que legitimamente ostentam esse nome que o erro, a existir, não será grave: se aquela não é japonica, outra haverá da mesma família que já o é, e a diferença entre as duas não será de grande monta. Foi assim que a magnólia-sempre-verde do jardim do meu prédio passou a ser uma Magnolia japonica — ela que, originária do sudeste dos EUA, sempre foi tratada como Magnolia grandiflora por causa das suas grandes flores. Mas não se ofendeu nada com a troca, até porque tem muitas primas japonesas.

Também as prímulas ou primaveras europeias (de que já mostrámos dois exemplos) têm família no país dos samurais. E nada melhor, para comprovar a asserção, do que trazer aqui a Primula japonica. Como país do hemisfério norte situado aproximadamente à mesma latitude que o nosso, as estações do ano, no Japão, são comparáveis às que aqui temos, e ocorrem na mesma altura. Contudo, lá a floração das primaveras (falo da flor, não da estação) é mais tardia, prolongando-se até ao Verão.

A P. japonica distingue-se da P. veris por ter as inflorescências organizadas em patamares: em cada andar — pode haver até seis — as flores dispõem-se em círculo, formando uma espécie de grinalda. Flores que podem ser brancas, ou assumir vários tom intermédios entre o branco e vermelho carregado. Nos dois extremos da escala cromática há cultivares registados no mercado europeu de jardinagem: «Miller's crimson» e «Postford white».

21/03/2010

Aos desarvorados

A Plataforma por Monsanto lançou um abaixo-assinado, dirigido ao presidente da Câmara de Lisboa e ao seu vereador dos espaços verdes, para que cessem as tropelias que têm sido cometidas contra o parque florestal de Monsanto: abate indiscriminado de árvores, continuação da actividade do campo de tiro, instalação de equipamentos e de actividades com impactos elevados. Os fundamentos do abaixo-assinado estão sintetizados neste documento. Quem quiser subscrever o protesto, pode fazê-lo aqui.

Ginkgo biloba L. — árvore nascida de semente em 1754 — Kew Gardens
Em Espanha, aqui há uns anos, estava em andamento o projecto de cortar as árvores que ladeiam as estradas, com o objectivo de diminuir o número de acidentes graves na circulação automóvel. Um sujeito, em vez de ir bater no tronco, voaria até ao campo e com isso, certamente, muita vida seria poupada. Foi por diante o projecto? Não sei. Só sei que me pareceu uma ideia tonta, talvez porque ainda não morri contra uma árvore...

Não deixar as árvores «virem» à estrada que resolve, afinal de contas? Haverá outras maneiras menos selvagens de poupar vidas: aperfeiçoar a mecânica dos carros, melhorar (ou açaimar) os cérebros dos condutores, etc.

Hoje, que é o Dia da Árvore, pensemos nas árvores que foram sacrificadas pela nossa colectiva e sôfrega tontaria. Qual de nós não terá uma querida ausente sob a forma de uma árvore que lhe acena de muito longe no tempo? Do recanto de jardim em que havia aquela árvore, lembras-te? Caducada a folha daqueloutra, recordas-te do fino desenho invernal que os teus olhos dela recortavam contra a lividez do céu? Pois olha, olha: agora, no lugar dessa árvore, desencaixotaram um novo prédio. Conta-lhe as janelas, dá pasto melancólico aos teus tristes olhos de citadino encarcerado. Tens candeeiros. Que queres mais?

A Primavera já está a acender as suas árvores. Põe qualquer coisa como uma flor em qualquer coisa como uma lapela e sai de assobio para a rua. Sê atrevido — e levanta, nem que seja só em imaginação, a tua própria árvore, nos sítios mais inesperados. E principalmente que ela atravanque tudo, suspenda a lufa-lufa dos negócios, se oponha, escandalosa, aos frenéticos automobilistas e os obrigue a fazer grandes desvios, para não baterem nela e nela acabarem por apodrecer encaixotados, como pobres mortais que são!


Alexandre O'Neill, Já cá não está quem falou (Assírio & Alvim, 2008)

16/02/2010

Paris nos Himalaias

Paris polyphylla Sm.
O nome deste género não se refere ao pusilânime Páris, filho do rei Príamo e frívolo sedutor de Helena a quem o irmão, Heitor, repreendeu: «Páris devasso, nobre guerreiro somente na cuidada aparência, /(...) Na verdade rir-se-ão os Aqueus de longos cabelos, / ao pensarem que combates na linha da frente porque és belo / de corpo, a despeito de te faltar força de espírito e coragem.» [Homero, Ilíada, trad. Frederico Lourenço]

Paris é um adjectivo latino que significa igual e, no contexto botânico, dá ênfase à regularidade das várias componentes da eurosiberiana Paris quadrifolia L.: 4 folhas sésseis em círculo, 4 sépalas lanceoladas verdes, 4 pétalas verdes estreitas, 2 x 4 estames amarelos longos e 4 estigmas escuros. Trata-se de uma planta vivaz com rizoma tuberoso e um talo que não se ramifica, e é a única espécie europeia do seu género — embora não seja espontânea em Portugal... nem na Grécia. Pede terrenos húmidos, floresce de Maio a Junho, e cada flor, solitária, produz um fruto globular azul-escuro que contém duas sementes castanhas. É tóxica mas foi amplamente usada em remédios caseiros.

A Paris da foto, de bosques umbrosos da China e dos Himalaias, não vai além dos 40 cm de altura, talvez por viver entre os 2000 e os 3000 m de altitude. Mostra grande variação morfológica mas, em geral, o seu saiote tem mais folhas do que o da P. quadrifolia, daí a designação polyphylla. As peças florais resumem-se a seis-oito tépalas exteriores lanceoladas e verdes, outras tantas tépalas interiores finas como fios, amarelas ou púrpura, dez ou mais estames curtos e um ovário superior com quatro carpelos, quatro estiletes e estigmas lobados. O fruto é uma cápsula verde contendo sementes de tom escarlate. É planta estimada como adorno e preciosa pelo seu uso na farmacopeia asiática.

13/02/2010

Mariposa de Monterey

Calochortus uniflorus Hook. & Arn.
Love is just fear I suppose. Masquerading as a fever. Then you explore each other and suddenly you have licence to become totally pedestrian. And ultimately abusive.

Rebecca Lenkiewicz, Her Naked Skin (Faber and Faber, 2008)

16/01/2010

Peónia do mar Egeu

Paeonia clusii F. C. Stern
Carolus Clusius (1526-1609) foi um naturalista e horticultor flamengo, autor de várias traduções de obras naturalistas contemporâneas, de um texto sobre flora espanhola e de dois compêndios sobre plantas exóticas e dezenas de espécies novas: Rariorum plantarum historia, em 1601, e Exoticorum libri decem de 1605. O seu contributo para o estudo de plantas alpinas valeu-lhe ser homenageado no nome científico de muitas delas e na criação do género Clusia e da família Clusiaceae.

Nomeado, a meio do século XVI, por Maximilian II — o imperador do Sacro Império Romano-Germânico que recebeu de presente, em 1551, do rei D. João III, o elefante Solimão, personagem do livro A viagem do elefante, de Saramago — como director de um jardim de plantas medicinais em Viena, mudou-se pouco tempo depois para Leiden (no sul da Holanda), onde foi professor e protagonista de um dos capítulos mais famosos da horticultura europeia.

Figura importante na criação de um dos primeiros jardins botânicos da Europa (o Hortus Academicus, em Leiden), deve o seu prestígio na história da botânica à observação atenta e paciente das plantas. A curiosidade, tão cara à ciência, levou-o a reparar numa alteração na coloração das tulipas, fenómeno que descreveu em 1576 e atribuiu então às condições ambientais, à natureza do solo e ao modo de preservar os bolbos, mas que se sabe hoje ser causado por um vírus. O fascínio pelas plantas afectadas residia na mudança de pigmentação das pétalas, que nasciam variegadas, com o bordo ou o centro pintalgados com cores distintas da cor normal (rosa, vermelho, púrpura, amarelo ou branco). Sendo produto de beleza apreciada, tornaram-se caras, até porque, em comparação com as tulipas vulgares, cresciam pouco, floresciam mais escassamente e produziam bolbos menos vigorosos. Foram tema favorito entre os mestres da pintura holandesa, que registaram na tela flores que desde então se extinguiram e que nem mesmo a manipulação genética de hoje consegue ressuscitar.

Nesta floração sensacional esteve a origem da febre de comércio de tulipas que, durante o século XVII, quase levou à bancarrota a economia holandesa: as tulipas passaram a ter valor de moeda e muitos holandeses, como numa corrida ao ouro, abandonaram a agricultura, o fabrico de queijos e outras ocupações para se dedicarem exclusivamente à produção destas flores bizarras. Ficou, como herança desses tempos, a indústria holandesa de bolbos e plantas de viveiro cuja imensa produção monopoliza hoje os nossos «centros de jardinagem».

O vírus e o modo como se dissemina foram identificados por Dorothy Cayley no John Innes Horticultural Institution nos anos 30 do século passado. Felizmente os horticultores conseguiram entretanto criar variedades de tulipas com este tipo de flores mas livres da doença.

14/01/2010

Amarela do Tibete

Paeonia ludlowii (Stern & G.Taylor) D. Y. Hong


As espécies arbustivas do género Paeonia vêm da China ou dos Himalaias. Uma das mais altas mas de flores menores é a tibetana P. lutea Delavay ex Franch. São plantas que fazem parte dos florilégios tradicionais chineses (simbolizam a beleza feminina), sendo celebradas em festivais anuais em Maio. O cultivo de peónias na China ter-se-á iniciado no século IV d.C. em Chekiang, e três séculos mais tarde eram já conhecidas centenas de variedades. As de flores amarelas foram primeiramente descobertas no século XI em Sichuan, mas a da foto é originária de bosques esparsos entre os 2900 e os 3500 m de altitude no sudeste de Xizang, no Tibete. Considerada uma subspécie da P. lutea por Frederick Claude Stern e George Taylor, chamou-se Paeonia lutea var. ludlowii Stern & Taylor e depois Paeonia delavayi subsp. ludlowii (Stern & Taylor) B. A. Shen; em 1997 ganhou estatuto de espécie. É um arbusto vigoroso que pode atingir os três metros de altura, com folhagem verde-brilhante e flores brancas, amarelas ou castanhas com uns 12 cm de diâmetro e filamentos dos estames vermelhos. Frutifica abundantemente e é fácil de propagar por semente, mas está em perigo no seu restrito habitat natural por causa do uso medicinal da casca das raízes. O epíteto específico comemora a pesquisa do ornitólogo e botânico Frank Ludlow (1885-1972) durante as expedições ao sudeste do Tibete entre 1933 e 1949.

As peónias arbustivas requerem solo fértil e permeável, franca exposição ao sol, e amuam com frio excessivo ou ventos secos. Por isso alguns cultivares, sobretudo os da P. suffruticosa Haw. (da China), desenvolvem-se bem naquelas partes da Europa onde encontram invernos frios mas verões quentinhos para compensar. Como prémio pela boa adaptação, receberam nomes de fantasia (Bowl of Beauty, Dayspring, Chedddar Cheese, Chocolate Soldier) ou gentis antropónimos de gente talentosa, como Sarah Bernhardt ou Edward Elgar.

28/11/2009

Carmim ou carmesim?


Gladiolus carmineus C. H. Wright

For many cultures red is both death and life - a beautiful and terrible paradox. In our modern language of metaphors, red is anger, fire, the stormy feelings of the heart, love, the god of war and power.
Victoria Finlay, Colour (The Folio Sociey, 2009)

O carmesim é uma tonalidade de vermelho com algum azul, intermédia, digamos, entre o púrpura e o escarlate. É a cor de uma tinta extraída das fêmeas prenhes do quermes (Kermes vermilio), um insecto de países da zona mediterrânica que vive no carrasqueiro (Quercus coccifera L.) e no azevinho (Ilex aquifolium L.). Este corante terá sido usado pelos fenícios, mas foi no Império Romano que granjeou fama; e com as regras que o Papa Paulo II decretou em 1467 sobre a indumentária dos cardeais, passou a ter também significado religioso: representa um apego à fé que nem a ameaça de morte enfraquece. Felizmente surgiram entretanto corantes sintéticos idênticos, e este modo cruel de produzir vermelho caiu em desuso.

Outro pigmento de origem animal, igualmente famoso e caro, é o carmim, matiz que se confunde com o vermelho-rubi. Retira-se das fêmeas de cochinilha (Dactylopius coccus), um insecto mexicano, branquinho como algodão, que se alimenta de um cacto de frutos comestíveis, a Opuntia ficus-indica (L.) Mill.. Há provas de este corante vermelho, mais estável à luz que o carmesim, ter sido utilizado pelos Astecas e Incas. Foi depois divulgado na Europa pelos espanhóis, que guardaram ciosamente durante anos o segredo do seu fabrico. Ainda hoje se produz em plantações de Opuntia na América do Sul e ilhas Canárias.

O carmim, conhecido em linguagem técnica como Natural Red 4, é o aditivo E120 usado em cosméticos, tintas, xaropes, comprimidos, iogurtes, compotas, gelatinas, bebidas alcoólicas ou carnes fumadas.

A flor das fotos, apesar do nome, é de cor magenta.

19/11/2009

Eucalipto serrano



Eucalyptus dalrympleana Maiden

Os eucaliptos, mais de 500 espécies, são maioritariamente australianos, sendo alguns, poucos, da Indonésia, Malásia, Filipinas e Nova Guiné. São aromáticos, elegantes e úteis. Adaptáveis a quase todos os solos, recrudescem com a desgraça de um incêndio. E é reconhecido, por alguns com mágoa e por outros com a satisfação do lucro, que na nossa paisagem eles têm vindo a substituir o que foi a floresta portuguesa: são árvores sedentas, vigorosas, que dominam terrenos onde quase nada mais vegeta. Esta má reputação obriga-nos a refrear o entusiasmo, mas o eucalipto das fotos, do arboreto dos Kew Gardens, merece-nos uns minutos de atenção.

Quase todos os eucalipos requerem climas temperados, mas há espécies de montanha como esta que vive na Tasmania e nos Alpes australianos, em Victoria e New South Wales, entre os 600 e os 1700m de altitude. Ali predominam os dias húmidos e frios, com geadas e queda de neve frequentes. Apesar disso, é um dos eucaliptos mais altos - pode chegar, em condições favoráveis, aos 60m de altura e aos 2m de PAP (perímetro à altura do peito). O tronco é colunar, de casca suave, cinzenta na base, amarelada mais acima, com laivos verde-azeitona ou róseos. A madeira é rosada e firme mas pouco duradoura, sem as qualidades aclamadas da do E. marginata.

Como é usual nos eucaliptos, as folhas jovens são distintas das adultas: as primeiras são opostas, redondas, sésseis e de cor verde pálida; as segundas são alternadas, lanceoladas, de margens levemente onduladas e de um tom de verde coriáceo. Os botões das flores nascem com um capuchinho pontiagudo, feito de pétalas e sépalas unidas, que cai quando os estames se desenvolvem. As flores, de Outono, reduzem-se a numerosos estames brancos e nascem agrupadas em conjuntos de 3 a 7, formando umbelas (há poucas excepções, entre os eucaliptos, a este tipo de inflorescência; um contra-exemplo, de flores solitárias, é o E. macrocarpa). Os frutos lenhosos são ovóides, parecendo sininhos.

Richard Dalrymple Hay (1861-1943) foi um zeloso administrador das florestas de New South Wales.

19/10/2009

Púcaros com franja


Tellima grandiflora (Pursh) Dougl. ex Lindl. - Kew Gardens

Para começar, expliquemos o título: fringecups é o nome dado nos EUA a esta nativa dos bosques e florestas da costa oeste da América do Norte, obviamente sugerido pelo aspecto das flores, com o cálice em forma de púcaro bordejado pelas franjas das pétalas. Antes de irmos à batata quente taxonómica, aqui vão de corrida alguns dados sobre a Tellima grandiflora: é uma herbácea perene com 80cm de altura máxima e folhas em roseta basal coroada por longas hastes floridas; prefere lugares húmidos e está naturalizada na Grã-Bretanha e noutros países europeus.

Mas - e aquele grandiflora? O leitor, ainda fresco da sua lição de latim, esfrega os olhos e pergunta-se: será que estou a ver mal? Não, leitor, não está: aquelas flores, em flagrante desobediência ao epíteto específico, são mesmo diminutas; têm 8mm de comprimento. Ah, então quem baptizou a planta devia estar c'os copos. Calma, leitor, as coisas não se passavam de modo tão repentino, e um erro grosseiro como esse seria prontamente corrigido quando se dissipasse a embriaguês. O termo grandiflora não deve ser tomado como qualificativo absoluto: limita-se a comparar a planta com as restantes do mesmo género, que terão flores ainda mais pequenas. Esta explicação, porém, esbarra no óbice de não haver outras plantas no género Tellima. Mas eis a estocada final: esta planta já esteve incluída noutro género. Na primeira descrição que dela foi publicada (em 1813, no livro Flora Americae Septentrionalis - or, a Systematic Arrangement and Description of the Plants of North America, de Frederick Traugott Pursh), apareceu com o nome Mitella grandiflora. Dentro do género Mitella, também ele norte-americano, o nome grandiflora justificava-se pela existência de espécies com flores de 5mm ou menos. Quando John Lindley, em 1828, oficializou a transferência, já antes proposta por David Douglas, para o género mono-específico Tellima, as regras de conduta da taxonomia obrigaram-no a reter o epíteto grandiflora, por muito absurdo que o resultado lhe tenha parecido.

Em adenda, um pequeno segredo do ofício: a migração entre géneros é denunciada pela listagem de autores que se segue ao nome científico da planta (ver legenda das fotos). Os parênteses à volta de Pursh indicam que foi ele quem primeiro descreveu a planta, mas que o nome hoje em dia aceite se deve a Douglas e a Lindley.

17/10/2009

Black lily


Fritillaria camschatcensis (L.) Ker-Gawl.

.....Nestas ervas, não em outras, gostaria
.....de deixar cair os punhos, esquecer como se reza.

.....José Miguel Silva (Ulisses já não mora aqui, 2002)

14/10/2009

Aprendendo a ser pássaro


Castanheiros (Castanea sativa Mill.) vistos do Treetop Walkway - Kew Gardens

Uma das frustrações de quem vai à cata de castanhas, agora que é quase chegado o tempo delas, é a safra depender da boa vontade da árvore. Se ela não nos quiser presentear com os seus frutos, não há como demovê-la a deixá-los cair. Conformados com tais caprichos, voltamos uns dias depois - altura em que constatamos, com mal contida fúria, que alguém se nos antecipou, colhendo tudo aquilo que por direito de prioridade nos pertencia. É deplorável o ponto a que chegou a falta de civismo neste nosso desgraçado país.

Foi decerto para resolver este problema que, na esclarecida e cívica Inglaterra, se inaugurou em Maio de 2008, nos Kew Gardens, esta estrutura metálica com 18 metros de altura, que proporciona aos colectores de castanhas um circuito de 200 metros bem ao nível da copa das árvores. Árvores essas que são, quase todas elas, castanheiros carregadinhos com a promessa de deliciosos magustos. Basta o visitante esticar os braços - com as mãos de preferência protegidas por grossas luvas de cabedal - e ir enchendo com ouriços o balde que teve a previdência de trazer consigo.

Acontece que em Agosto, quando visitámos os Kew Gardens, ainda era cedo para a colheita. Voltarmos lá agora com esse único fito seria algo extravagante, mas fica a sugestão para quem puder aproveitá-la. Quanto a nós, estamos de olho nuns tantos castanheiros em várias localidades do norte do país; seria porém de uma generosidade inaudita, própria de uma santidade a que não aspiramos, revelar ao leitor o paradeiro dessas árvores.