Loder Valley
Não muito longe do aeroporto de Gatwick, no condado de Sussex, existe um jardim botânico que só não rivaliza com os Kew Gardens porque é gerido pela mesma instituição. Wakehurst Place (assim se chama o jardim) é, de facto, uma sucursal dos Kew Gardens incrustada na bucólica e ondulante província inglesa. E esse é o primeiro ponto a seu favor: não é um oásis no meio de um subúrbio incaracterístico, mas sim um local onde uma envolvente naturalmente verdejante é sublimada pela arte da jardinagem. Uma arte de efeitos calculados, mas também discreta no modo como o artificialismo de um jardim, que se estende ao longo de um riacho com pedras e cascatas ao jeito japonês, se dilui gradualmente em bosques de grandes árvores que mal traem a sua origem exótica. E mesmo esse quase nada de exotismo acaba por soçobrar em Loder Valley, reserva natural de 60 hectares centrada num grande lago e formada por bosques, prados e terrenos húmidos. (O lago chama-se Ardingly Reservoir e é na verdade um reservatório de água.)
Wakehurst Place é pois o lugar onde a jardinagem e o coleccionismo botânico se deixam como que dissolver na natureza. E o terreno acidentado onde o jardim se desenvolve potencia a existência de nichos recatados que — muito mais do que nos Kew Gardens, onde à planura do terreno acresce a multidão de visitantes — parecem muito longe do bulício moderno.
[Já se adivinha que o maior óbice é a dificuldade em lá chegar não se indo de automóvel, mas Wakehurst Place é servido por autocarros que, três ou quatro vezes por dia (excepto aos domingos), fazem a ligação à vila de Haywards Heath, de onde há comboios frequentes para Londres. Quem planeie uma visita deverá estudar os horários com atenção.]
Cumpridas já duas visitas, ainda não consegui pôr os pés (ou os olhos) em grande parte dos 200 hectares que perfazem Wakehurst Place, e nem sequer conheço o Banco de Sementes para o Milénio. Em ambas as ocasiões gastei três ou quatro horas no circuito que percorre de uma ponta a outra a reserva de Loder Valley, e não sobrou tempo para mais. Os bosques são dominados por avelaneiras, mas também há bétulas, amieiros, faias e carvalhos. Várias parcelas de bosque, sobretudo de avelaneiras e de faias, são desbastadas periodicamente (talvez de 20 em 20 anos), numa prática que vem de tempos antigos e ajuda a manter o ecossistema em equilíbrio: há plantas que só com essa luminosidade extra conseguem medrar. Depois de cortadas pela base, árvores e arbustos voltam a brotar de raiz, e em meia-dúzia de anos o bosque refaz-se. A lenha resultante é vendida na loja do jardim com o selo BarbiKew.
Uma vez por outra, junto ao lago, abre-se uma clareira no arvoredo e surgem prados pontilhados por flores silvestres. Têm elas a fortuna de escapar ao pisoteio porque as visitas à reserva são, em cada dia, limitadas a 50 pessoas; e, pelo que pude ver, é comum ficarem muito aquém desse número.
A flora das ilhas britânicas é bem menos rica e diversa do que a nossa, mas em todo o caso, e se descontarmos a exuberância dos bluebells, o início de Maio nunca seria a melhor altura para a observar; teria sido preferível fazê-lo em meados de Junho. Porque ainda não tinha comparecido no blogue, de tudo quanto vi escolhi mostrar a búgula (Ajuga reptans), uma bonita plantinha de uns 20 cm de altura que é também espontânea em Portugal. Por cá começa a florir logo em Março, e abunda especialmente em lugares sombrios e húmidos do noroeste do país. Multiplicando-se por estolhos, é frequente formar populações numerosas. Mesmo sendo atrevida e expansionista, caiu nas boas graças dos jardineiros, talvez por se assemelhar a uma vela onde crepita uma chama vermelha com laivos de azul.
1 comentário :
Que maravilha, realmente!
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