09/07/2010

Dormir a sesta

Blackstonia perfoliata (L.) Huds.
Olhem bem para esta planta. Embora ocorra também, longe do mar, na Estremadura, Ribatejo e Alentejo, não é difícil encontrá-la nas dunas fixas do litoral centro, e quem frequentar essas praias, se estiver atento, há-de vê-la muitas vezes. É um planta que muitas vezes ultrapassa o meio metro de altura, e por isso não a podemos taxar de ervinha insignificante. O modo como as folhas pontiagudas se juntam aos pares para abraçar o caule é inconfundível. E ela não é nada poupada na floração, chegando a juntar dezenas de botões no mesmo pé. O problema é que resiste a mostrar-nos os enfeites que preparou com tanto esmero. Quase sempre a encontramos com as flores severamente resguardadas por sépalas que parecem grades de uma cela. Deve dar-se por muito feliz quem lhe vê as flores de pétalas estendidas ao sol.

Alegam os manuais que a Blackstonia perfoliata só abre as flores em dias de sol radioso, mas diz-nos a experiência que isso é escamotear metade do problema. Mesmo quando o sol cumpre sem falhas o seu papel, ela, por receio de insolação ou por simples avareza, nunca se mantém aberta depois do meio-dia. Assim, poder contar-lhe as pétalas — o seu número varia entre 6 e 10 — exige a conjugação de factores externos propícios com a disposição de acordar cedo. Numa emergência, pode-se ainda fazer batota: agarrar numa flor que ainda esteja a correr as grades para se recolher e forçá-la a revelar-se. Lamentavelmente, foi isso mesmo que nós fizemos.

Uma tal propensão para o isolamento ensimesmado faria prever algumas dificuldades de sobrevivência. Afinal, os bichos polinizadores teriam mais que fazer do que andar às ordens de planta tão caprichosa. Mas a B. perfoliata é uma planta muito disseminada e fácil de encontrar em grande parte da Europa, desde o Mediterrâneo à Península Ibérica e à Grã-Bretanha; e, tratando-se de uma planta anual, essa ubiquidade é prova de amplo e regular sucesso reprodutivo. Saibamos pois, como ela, dormir a sesta tranquilamente: o mundo não acaba já.

5 comentários :

Manuel Anastácio disse...

Estou chocado! Desfloraram um pobre botão só por causa de uma fotografia... Shame on you... :)

Paulo Araújo disse...

É de facto imperdoável. Aquela flor nunca mais foi a mesma. E não serve de desculpa dizer que havia muitas.

Anónimo disse...

Acabei de descobrir o blog.
Estou encantada com tanta beleza!
Nina

Luz disse...

Estou cheia de inveja, pois mesmo sendo fã das sestas ou das manhãs de sono, assim que "abro a pestana", tenho que saltar da cama e já com os olhos bem abertos e não há nada me ajude. Tenho mesmo que trabalhar!
Por isso estou mesmo com vontade de a convidar a trocar de lugar comigo. É que nesta altura do ano, em que as escolas estão mergulhadas em papeis, mais me valia dormir a sesta. Era certamente mais feliz!
Bom fim-de-semana
Luz

Carlos M. Silva disse...

Olá Paulo.
De quando em vez venho visitar-vos, mormente quando as dúvidas botânicas são prementes.
Esta Blackstonia perfoliata, é belíssima e conheço-a (ou infiro que seja esta e não outra) desde 2009, 2011 e 2013, mas sempre do Centro do país. Sucede que por casa, Maia, me apareceram, na zona livre de uma das bouçs, 7 exemplares de uma Blackstonia, espalhados por 50 cm de distância, que suspeito ser a outra, a B. acuminata, pelo cálice floral que possui.
Coisa estranha - vento? - e deliciosa.

Abraço para vós.
Carlos Manuel Moreira da Silva