26/07/2010

Malmequer excursionista

Scorzonera angustifolia L. [= Scorzonera graminifolia L.]


Há plantas que parecem estrelas de cinema a escolher hotel: preparam uma caprichosa lista de exigências que tem de ser cumprida à risca, sob pena de recusarem o alojamento proposto. Especificam cuidadosamente o grau de humidade, a composição do solo, a maior ou menor exposição à luz solar. Informam se querem ou não a companhia de outras plantas. Se um destes parâmetros sai fora do intervalo de tolerância, está o caldo entornado. Fiquem bem, que nós cá nos arranjamos noutra freguesia. O pior é quando também na outra freguesia deixou de haver condições de vida, e a planta fica sem onde se acolher. A este drama das plantas sem abrigo é costume chamar «destruição de habitats»; é o caminho mais curto que o homem desbravou para a extinção de espécies.

No pólo oposto estão aquelas plantas que nada exigem e por isso podem viver em habitats muito diversos. Às vezes fazem-se de tal modo abundantes que acabam por ser perseguidas como ervas daninhas. Chamamos-lhes «daninhas» não por elas serem intrinsecamente nocivas, mas por parecerem opor-se àquilo que julgamos ser o nosso interesse.

A Scorzonera angustifolia pertence a este grupo das plantas isentas de caprichos, com a diferença de, muito avisadamente, nunca formar populações abundantes. Em todo o Douro vinhateiro só a avistámos uma vez, na EN 222, já perto de São João da Pesqueira; e no local não havia mais que duas ou três plantas. Mais tarde, na Serra dos Candeeiros, deparámos com ela pontuando esparsamente as bermas dos caminhos que cruzam os olivais de Alvados. Dir-se-ia então que a planta, embora indiferente ao carácter ácido ou básico do solo, e revelando igual à-vontade em sítios pedregosos ou em campos de cultivo, prefere lugares soalheiros. Mas mesmo essa conclusão é desmentida pelos factos, pois houve já quem a visse medrar em azinhais umbrosos.

Fica assim um retrato meio desfocado de quem hesita em definir as suas preferências. Resta acrescentar que a S. angustifolia é uma planta perene, com folhas muito estreitas tal como promete o epíteto específico, e inflorescências grandes (4 a 5 cm de diâmetro), de um amarelo pálido, que brotam de Abril a Julho. Ocorre apenas na Península Ibérica e em Marrocos, e teve a honra de ser nomeada duas vezes por Lineu na mesma página do Species Plantarum (1753). Aparentemente, Lineu estava convencido de que as plantas colhidas em Portugal e em Espanha pertenceriam a espécies diferentes; à variante lusa chamou ele S. graminifolia, e à outra S. angustifolia. Tratando-se afinal da mesma espécie, parece verdadeiramente indecidível saber qual dos dois nomes goza de prioridade.

1 comentário :

Unknown disse...

Mais uma descoberta interessantíssima que este excelente blog dá a conhecer. Mas... esta flor perece mais cravo que malmequer(?!)
Sendo pouco exigente, fica sem o perigo de desaparecer...Sorte a dela e de todos quantos a podem apreciar.
Fico à espera da próxima maravilha botânica que a Maria Pires de Carvalho vai divulgar.

Um excelente Verão para ambos!

Maria Dalila