15/07/2010

A cada erva o seu feitiço

Circaea lutetiana L. (A thing of beauty is a joy for ever)


Como alguns terão visto no filme Aquele querido mês de Agosto (de Miguel Gomes), a mata da Margaraça é um bosque de sombras aprazíveis carregado de sussurros. Não admira, portanto, que a erva-das-feiticeiras aprecie aquele lugar, exibindo-se viçosa nas clareiras durante o Verão. O nome do género refere-se à deusa grega de voz sedutora, Circe, inimiga dos mortais que transformava em bichos, ou simplesmente envenenava para abreviar caminho. No Livro III do poema Endymion: A Poetic Romance, John Keats dá voz ao horror de ser gente em pele de besta através do apelo de um rei/elefante enfeitiçado por Circe. E, se não fosse a ajuda providencial de uma droga que lhe confiou Hermes (um jovem com a primeira barba a despontar,/ altura em que a juventude tem mais encanto, na tradução de Frederico Lourenço), até Ulisses teria sucumbido aos poderes da bruxa (Odisseia, Canto X).

Esta herbácea delicada tem folhas simples com cerca de 10 cm de comprimento, opostas, de base cordiforme e ápice pontiagudo. Pode chegar aos 70 cm de altura, se contarmos com a haste floral, e na Europa só não se encontra na Islândia (por não haver bosques) e na Finlândia (em cujas florestas talvez haja demasiados elfos). As flores, brancas ou cor-de-rosa, são hermafroditas e tão pequeninas que o leitor terá de acreditar, com quem confia num fauno, que elas têm duas sépalas, duas pétalas lobadas de 2-4 mm, dois estames e um estilete com um estigma vermelho. Estes ingredientes arranjam-se como nas verónicas (até julgámos que era uma): o estilete e os estames projectam-se a partir do centro da corola mas os estames afastam-se para, todos juntos, criarem uma plataforma onde os insectos aterram para acederem ao néctar e colaborarem na polinização cruzada: a guloseima está guardada num anel que envolve o estilete e, enquanto lambem, os bichos tocam com a barriga no estigma — largando aí pólen que tragam de outra flor — e polvilham-se de pólen novo recolhido nas anteras. Contudo, a planta também se multiplica por divisão de caules subterrâneos.

O género abriga três espécies europeias, a C. lutetiana (de Lutetia, Paris), a C. alpina L. e a C. x intermedia Ehrh., híbrido das anteriores.

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