Dama fina & companhia
Crê-se que o povoamento vegetal das ilhas Canárias seja quase tão antigo quanto a sua formação geológica. As plantas mais exigentes tardaram a instalar-se por não haver, de início, solo estável e propício. No decurso de centenas de milhares de anos, porém, grande parte da flora continental passou a ter representantes insulares. As espécies recém-chegadas encontraram nas ilhas um habitat sem competição, embora inóspito, e um clima ameno e sem grandes variações que lhes permitiu crescer ao longo de todo o ano e ter períodos de floração alongados. Talvez por isso, são várias as espécies herbáceas do continente que têm versões arbustivas nas Canárias. Além disso, a diversidade ecológica, sobretudo nas ilhas com estratos de maior altitude, permitiu que muitas plantas, de espécies entretanto extintas noutras regiões do norte de África, da região mediterrânica e do centro da Europa, ali se mantivessem, em zonas áridas, em matos ou em bosques de laurissilva.
Algumas das espécies pouco variaram desde a sua chegada às Canárias. Colonizaram locais vastos, isolados e livres de concorrência, e actualmente os géneros correspondentes contam com um número reduzido de espécies — como aconteceu com o género Ceropegia. Outros, porém, evoluiram para se adaptarem aos nichos disponíveis, e a selecção natural induziu a criação de variantes cada vez mais diferenciadas e eficazes a sobreviver. É o caso das dezenas de espécies endémicas nas Canárias dos géneros Aeonium, Echium e Sideritis.
O leitor atento decerto associará estes meios de disseminação de plantas a outros seres vivos do planeta, incluindo vírus. Estes, enquanto conseguem propagar-se sem esforço, mantêm o essencial das suas características genéticas pois não há razão para mudar o que é bem sucedido. Mas quando os hospedeiros rareiam, a forte pressão selectiva dá vantagem a estirpes mais agressivas, ou então o vírus desaparece. É neste cenário de incerteza que assenta a estratégia de confinamento que nos tem sido imposta.
![](https://i.postimg.cc/PxJvTFng/Parolinia-filifolia-03.jpg)
![](https://i.postimg.cc/4d07dbJm/Parolinia-filifolia-04.jpg)
As plantas que hoje vos mostramos, ambas de um género endémico das Canárias de que apenas se conhecem sete espécies, têm uma morfologia invulgar na família Brassicaceae, a que pertencem couves, nabos e goivos, mas que em Portugal só contém herbáceas. As duas espécies de Parolinia, uma (em cima) que vimos no Barranco de Siberio, na metade oeste da Grã-Canaria, e outra (em baixo) no Barranco de Guaydeque, a leste, são arbustos ramificados, lenhosos, de talos acinzentados por causa do revestimento com pêlos estrelados, folhas carnudas mas estreitas, e flores de pétalas com margens onduladas. Distinguem-se bem pelos frutos, que em Dezembro ainda não se viam — umas vagens longas com meia dúzia de sementes e enfeitadas por dois apêndices terminais. Na Grã-Canaria há mais duas espécies endémicas do género Parolinia, a P. ornata no sudoeste da ilha, e a P. glabriuscula, que é glabra e de que só há registo no noroeste da ilha. Este género abriga ainda a P. intermedia, endemismo do sudoeste de Tenerife; a P. schizogynoides, endemismo de La Gomera; e a raríssima P. aridanae, de matos xerófilos de suculentas em La Palma, que planeávamos conhecer este ano em Maio.
![](https://i.postimg.cc/14h80mVS/Parolinia-platypetala-01.jpg)
![](https://i.postimg.cc/qB9wD28J/Parolinia-platypetala-02.jpg)
![](https://i.postimg.cc/h4JM02QZ/Parolinia-platypetala-03.jpg)
![](https://i.postimg.cc/ncBkyMkv/Parolinia-platypetala-04.jpg)
Sem comentários :
Enviar um comentário