22/11/2014

A primeira dúzia



Veronica scutellata L.

Se a evolução nos tivesse concedido seis dedos em cada mão, talvez não fôssemos muito mais hábeis em trabalhos de bricolage, mas seríamos incomparavelmente melhores a fazer contas de cabeça. E talvez essa maior facilidade na aritmética tivesse permitido que a ciência e o progresso material a ela associado se desenvolvessem uns séculos mais cedo. Infelizmente, é impossível começar de novo para sabermos que diferenças teria a História para registar se, no início de tudo, em vez de escolhermos o 10 como base de numeração, tivéssemos optado, como seria racional, pelo 12. O 12 tem mais divisores do que o 10, e por isso o sistema de numeração duodecimal permite que mais fracções se exprimam como dízimas finitas — ou, dito de outro modo, há mais contas de dividir que dão resultado exacto. Por exemplo, na base 10, a fracção 1/3 escreve-se 0,3333..., mas na base 12 a mesma fracção escreve-se simplesmente 0,4. Muito se pouparia em tempo e confusão quando no restaurante chegasse a hora de dividir a conta por 3 convivas (ou 4, ou 6, ou mesmo 8, 9 ou 12) já meio tocados pela bebida. Os pequenos inconvenientes de termos de inventar dois símbolos adicionais para os novos algarismos (um para o 10 e outro para o 11), e também de decorar tabuadas maiores, seriam rapidamente compensados pela maior agilidade nos cálculos. Mas o 10 continua a mandar, e mesmo na época dos computadores e da comunicação global instantânea continuamos a atribuir uma importância supersticiosa aos seus múltiplos, celebrando os dez anos disto e os cem anos daquilo com uma seriedade inapropriada, quando afinal tudo se deve ao número de dedos que calhou termos nas mãos.

Ao contrariarmos essa tendência hegemónica, não queremos inaugurar uma nova era. Reinvidicamos apenas o direito de ignorar o dez e, porque não queremos substituir uma superstição por outra, de assinalar o doze sem grandes foguetes comemorativos. Escolhemos por isso um doze que, completando-se hoje, não marca uma efeméride muito relevante. Acontece apenas que esta é a 12.ª verónica que mostramos no Dias com Árvores. (Sim, este blogue já fez 10 anos. Quando fizer 12, também não iremos chamar a atenção para isso.)

Apesar de as suas flores serem em geral diminutas, as verónicas são facilmente reconhecíveis pelas quatro pétalas assimétricas e pelos dois estames muito salientes. No capítulo da ecologia, o género Veronica é dos mais versáteis da flora portuguesa, com um leque de espécies que abrange plantas ruderais como a Veronica persica e outras raras ou mesmo endémicas como a V. micrantha (exlusiva do noroeste peninsular) e a açoriana V. dabneyi. A V. scutellata, a que os anglo-saxónicos chamam grass leaved speedwell ou skullcap speedwell, é pouco comum em Portugal (veja aqui um mapa de registos) mas distribui-se por toda a Europa e América do Norte. Habitante de lugares encharcados, não atingindo mais que os 60 cm de altura, distingue-se pelas folhas compridas (até 7 cm) e lanceoladas, com vinco central bem marcado, e sobretudo pelas inflorescências sustentadas por pedúnculos finos e muito longos, saídos das axilas das folhas.

5 comentários :

Francisco Clamote disse...

Mesmo não se tratando de um aniversário, merece comemoração. Parabéns!

Paulo Araújo disse...

Obrigado pela simpatia, Francisco.

João Gomes disse...

:) Muito bom! Que belissimo texto para perceber uma coisa óbvia que afinal não é nada óbvia e que eu julgava atribuida ao acaso!
Obrigado Paulo!

Carlos M. Silva disse...

Olá Paulo e Maria

Só posso saudar por vos ter por companhia.
E 10 anos de vivência com plantas e 12 num género são contas bem preenchidas.
Que o 'vossa união de facto com a flora' se prolongue para deleite de quem se vê a aprender com os outros.
Abraço.

Carlos M. Silva

Anónimo disse...

Fantástico este post.

Qualquer planta menos apelativa torna-se exuberante com os vossos textos.


Abraço
André Carapeto