27/11/2004

Ecos da discórdia

1970 foi o Ano Europeu da Conservação da Natureza. Nesse âmbito, e entre as iniciativas de índole mais duradoira, propôs-se que todos os países promovessem homenagens anuais à árvore. Por cá, vivia-se desde 1917 na ressaca de uma polémica inusitada em torno da festa da árvore, que gerou reacções de alguma virulência, como esta no periódico A Democracia, em 1914:

Os católicos não podem colaborar nesta festa naturalista e ateia,(...) explorada pelo sectarismo maçónico que lhe manda imprimir feição panteísta e genuinamente pagã.
- entremeadas de outras opiniões de sinal contrário:
Não tem padres a festa, nem nela se observa a liturgia romana? E é isso coisa necessária para que a árvore crie raízes, cresça, lance a ramagem, frutos e flores? In Jornal de Guimarães (1914)

(Textos completos em "Árvores, Florestas e Homens" de José Neiva Vieira)

Aqui ficam as palavras de alguém que testemunhou estes acontecimentos e saudou em 1971 o regresso do Dia da Árvore:

«Tenho sido mais combativo, em defesa da árvore, quanto mais a vejo condenada por quem a não sente, por quem não sabe o que lhe deve, por quem desconfia do oxigénio, por quem dispensa a chuva, por quem não aprecia a sombra em dias de calor, nem o colorido, carregado de aromas, da Primavera. (...)

Querem agora os Serviços Florestais que se consagre à árvore o dia 26 de Novembro de cada ano. Melhor seria que os Serviços Florestais lhe consagrassem todos os dias que Deus deita ao mundo. Vinte e quatro horas, em cada ano, é pouco. Mas, se for bem aproveitado, poderá render cem por um em benefício da árvore. Bem hajam os Serviços Florestais.

Vamos ter, outra vez festa da árvore? Oxalá que sim. Essa festa, criada em horas estelares, foi vítima de sonhos tenebrosos. Matou-a quem imaginou que Deus Nosso Senhor, depois de criar a árvore, se arrependeu a ponto de pedir aos crentes que lha excomungassem bem excomungada. Chegou a dizer-se, no auge desse delírio, que boas almas de santos, amigos do arvoredo, tinham sido escorraçadas do céu para o inferno.

A festa da árvore deve ser comunhão de crentes e descrentes. Deve congraçar, num minuto, quantos filhos de Deus houver dotados de inteligência. Os espoliados, se não concordarem com ela, que abanem as orelhas... Mas, ninguém lhes reconheça, como da outra vez, o direito de proscrever uma festa divina.»

João de Araújo Correia, Pó levantado (28 Novembro de 1970)

1 comentário :

António Viriato disse...

Gostei de ler esta saudação da inicitiva do Dia da Árvore, de João de Araújo Correia, a honrar aqui com um formoso e judicioso texto esses seres de grande beleza, benfazejos, sofredores e resistentes que são as nossas amigas Árvores, tão generosas que a todos - indistintamente - concedem seus proveitos e encantos. Querem maior lição de Caridade cristã ?