24/02/2016

Solaris



Potamogeton perfoliatus L.



Nas primeiras imagens do filme Solaris, de Andrei Tarkovsky, a câmara mostra-nos em pormenor um lago junto a uma casa com janelas amplas, cores luminosas e decoração esmerada. Servem para que guardemos inúmeros detalhes na memória, lembranças a que mais tarde o oceano inteligente do planeta Solaris acederá, construindo com elas uma linguagem com que tenta comunicar com os humanos. Um aspecto em que a câmara se demora é a vegetação submersa no lago, plantas que se adaptaram à vida dentro da água num processo que, imaginamos no fim do filme, uma das personagens terá de dominar.

Deixando, a custo, o filme de lado, procurámos saber como sobrevive uma planta dentro de água. A ciência parece convencida de que as plantas aquáticas de maior porte descendem de vegetação terrestre que entretanto colonizou o habitat marinho ou fluvial. Mas como conseguem elas não apodrecer com a humidade excessiva? O que lhes permite resistir intactas à água mole que fura a pedra dura? Como se realiza a fotossíntese, tendo em conta a pior exposição à luz e a menor concentração de oxigénio e dióxido de carbono num meio aquoso? E, havendo marés, não precisam elas de saber funcionar também como seres terrestres, tal qual as baleias? O que se segue é apenas um resumo sobre mecanismos de adaptação à vida submersa, alguns dos quais o leitor poderá confirmar na planta das fotos.

Não lhes convém ter raízes ou caules demasiado rígidos, ou quebrariam com uma ondulação mais forte. Obviamente, não precisam deles para absorver, reter e conservar água, como sucede às plantas terrestres. De facto, estes são sobretudo âncoras (nem sempre necessárias pois, ao contrário do ar, a água permite que as plantas se sustenham sem esforço) que retiram oxigénio da água. Os talos são flexíveis, por vezes com nós que se fixam no fundo, mas frequentemente ocos ou com câmaras de ar para melhor flutuarem; neles a planta guarda a sua reserva privada de oxigénio, uma função semelhante à da estrutura análoga das plantas terrestres onde elas conservam nutrientes e água. E há a solução dos narizes exteriores, claro.

As folhas são finas, planas, por vezes largas ou longas para se manterem estáveis sem resistência às ondas, e realizarem a fotossíntese com eficiência. O pigmento verde está em geral concentrado na face superior, a que recebe luz, e há vários modos de fotossintetizar, nem todos eles inteiramente compreendidos. Em algumas espécies, as folhas parecem ter textura de borracha, e são decerto difíceis de rasgar. Além disso são sésseis, de modo que a sua ligação aos ramos é mais firme. E, sobretudo, são à prova de água: não têm, como as plantas terrestres, tecido protector ou poros com um sistema rigoroso de abertura que, em plantas em terra, são essenciais para reduzir a perda de água, seja pelo calor ou por outro factor ambiental; e a face superior das folhas está coberta com uma camada cerosa que repele a água, caso precisem de emergir, e mantém os poros livres para a transferência de oxigénio e dióxido de carbono, ou para selectivamente expelir certos iões e manter o equilíbrio químico das células.

Com as flores todo o cuidado é pouco, e elas nascem em hastes, ou espigas, que se erguem acima da água. A fertilização, na ausência de polinizadores, exige astúcia e alguma sorte — e há espécies que, em vez de largar o pólen ao acaso na água, na esperança de que atinja o estigma de alguma flor feminina, formam, com as pétalas das flores masculinas, pequenos botes que deslizam à bolina até colidirem com a haste feminina.

Por cautela, às vezes as sementes germinam ainda ligadas à planta-mãe, para depois, quando soltas, terem maior viabilidade. Disseminadas as sementes, pela água e ar, ou garantida a reprodução vegetativa através de pedaços da planta capazes de formar clones, ela hiberna ou morre, garantindo com os restos da folhagem ou dos rizomas fibrosos um substrato rico no fundo de lago, que assim se eleva, ajudando os rebentos a sobreviver e permitindo a formação de colónias mais ou menos densas.

As plantas das fotos são do rio Minho, algures entre Monção e Melgaço — talvez o último local do nosso país onde esta espécie (uma das que vemos no filme de Tarkovsky) ainda resiste. Por trás do areal da primeira imagem esconde-se um pequeno lago com uma população mimosa de Nymphoides peltata.

3 comentários :

Francisco Clamote disse...

Belíssima lição. Grato.

bea disse...

As plantas aquáticas desenvolvem extraordinários mecanismos de sobrevivência e adaptação.

lis disse...

Grande natureza capaz de coisas tão belas!
Adorei o texto e as fotos,claro!