17/04/2016

À solta no Cachorro


Cachorro, Pico, Açores
Mesmo encostada ao aeroporto, de que está separada apenas por uma estrada e por uma vedação metálica, Cachorro é uma aldeia de 20 ou 30 casas de negríssimo basalto na costa norte da ilha do Pico. O nome vem-lhe da forma que tomou uma das rochas à beira-mar, lembrando um cachorro contemplativo que nunca se cansa do espectáculo das ondas. Se a aldeia em si é típica que baste para atrair turistas, e se o impassível cachorro está sempre disponível para ser fotografado, já para o botânico amador os motivos de interesse incluem uma rara população costeira de cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), um manto amarelo de cubres (Solidago azorica), e a maior concentração de camarinhas (Corema album subsp. azoricum) de que há notícia no arquipélago. Por uma vez em consonância de gostos, turistas e botânicos podem, no Verão, deliciar-se com os figos que se oferecem maduros, nas vinhas abandonadas, à gula de quem os queira apanhar.


Hylocereus undatus (Haworth) Britton & Rose
Entre as casas recuperadas para ocupação sazonal e as lojas de artesanato para turistas, sobram ainda, no Cachorro como em todas as aldeias, umas tantas casas abandonadas à espera de quem lhes dê uso. Aquela que se vê na imagem, com o telhado ainda novo, não dá mostras de ruína iminente, mas os tentáculos que por ela vão subindo, aproveitando a longa ausência dos proprietários, ameaçam furar-lhe as paredes e inundar de verde todas as divisões. Esta paciente ocupação clandestina é levada a cabo por um cacto trepador vindo das Caraíbas, de seu nome Hylocereus undatus. É bom esclarecer que este cacto não está naturalizado nos Açores, e que dificilmente terá condições de o fazer: não tolerando temperaturas inferiores a 15ºC, nunca se poderá afastar muito da linha de costa; e a ausência de polinizadores especializados deverá impedir a produção de sementes. Assim, o exemplar que ameaça sufocar a casa foi decerto plantado. Deixado entregue a si próprio, ficou fora de controle, como cão de guarda que, ignorado pelos donos, acaba por se virar contra eles.

O género Hylocereus acolhe umas vinte espécies de cactos trepadores originários da América tropical; traduzido à letra, esse nome significa cacto-dos-bosques, o que dá uma indicação precisa do habitat destas plantas, habituadas a encavalitar-se em árvores, sob generosa sombra, em vez de penarem ao sol do deserto. O Hylocereus undatus, talvez originário em cultivo por hibridação (não se conhece em estado natural), é o mais popular do seu género em jardins tropicais, e também é apreciado pelos frutos. As flores, que são grandes (30 cm de diâmetro), brancas e fragrantes, só abrem à noite. Fica a sugestão, para quem estiver no Pico em Agosto, de uma visita nocturna ao Cachorro em busca desta flor.

1 comentário :

bea disse...

As ilhas açorianas são um manancial inesgotável de novidade e beleza.