À solta no Cachorro
Cachorro, Pico, Açores
Mesmo encostada ao aeroporto, de que está separada apenas por uma estrada e por uma vedação metálica, Cachorro é uma aldeia de 20 ou 30 casas de negríssimo basalto na costa norte da ilha do Pico. O nome vem-lhe da forma que tomou uma das rochas à beira-mar, lembrando um cachorro contemplativo que nunca se cansa do espectáculo das ondas. Se a aldeia em si é típica que baste para atrair turistas, e se o impassível cachorro está sempre disponível para ser fotografado, já para o botânico amador os motivos de interesse incluem uma rara população costeira de cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), um manto amarelo de cubres (Solidago azorica), e a maior concentração de camarinhas (Corema album subsp. azoricum) de que há notícia no arquipélago. Por uma vez em consonância de gostos, turistas e botânicos podem, no Verão, deliciar-se com os figos que se oferecem maduros, nas vinhas abandonadas, à gula de quem os queira apanhar.Hylocereus undatus (Haworth) Britton & Rose
Entre as casas recuperadas para ocupação sazonal e as lojas de artesanato para turistas, sobram ainda, no Cachorro como em todas as aldeias, umas tantas casas abandonadas à espera de quem lhes dê uso. Aquela que se vê na imagem, com o telhado ainda novo, não dá mostras de ruína iminente, mas os tentáculos que por ela vão subindo, aproveitando a longa ausência dos proprietários, ameaçam furar-lhe as paredes e inundar de verde todas as divisões. Esta paciente ocupação clandestina é levada a cabo por um cacto trepador vindo das Caraíbas, de seu nome Hylocereus undatus. É bom esclarecer que este cacto não está naturalizado nos Açores, e que dificilmente terá condições de o fazer: não tolerando temperaturas inferiores a 15ºC, nunca se poderá afastar muito da linha de costa; e a ausência de polinizadores especializados deverá impedir a produção de sementes. Assim, o exemplar que ameaça sufocar a casa foi decerto plantado. Deixado entregue a si próprio, ficou fora de controle, como cão de guarda que, ignorado pelos donos, acaba por se virar contra eles.O género Hylocereus acolhe umas vinte espécies de cactos trepadores originários da América tropical; traduzido à letra, esse nome significa cacto-dos-bosques, o que dá uma indicação precisa do habitat destas plantas, habituadas a encavalitar-se em árvores, sob generosa sombra, em vez de penarem ao sol do deserto. O Hylocereus undatus, talvez originário em cultivo por hibridação (não se conhece em estado natural), é o mais popular do seu género em jardins tropicais, e também é apreciado pelos frutos. As flores, que são grandes (30 cm de diâmetro), brancas e fragrantes, só abrem à noite. Fica a sugestão, para quem estiver no Pico em Agosto, de uma visita nocturna ao Cachorro em busca desta flor.
1 comentário :
As ilhas açorianas são um manancial inesgotável de novidade e beleza.
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