Barbusano
Quem aporta à Madeira sente a aragem de um lugar quase africano, o receio das escarpas assombrosas do litoral, o fascínio pelos delicados bordados e o regalo nos pitéus de milho e de peixe-espada. Mas terá de se entranhar nas montanhas para conhecer a ilha a que Camões se refere, no Canto V de Os Lusíadas, através do discurso de Vasco da Gama que, não tendo passado pela Madeira, narra de facto a experiência do próprio poeta:
Passámos a grande Ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama.
Mas, nem por ser do mundo a derradeira,
Se lhe aventajam quantas Vénus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama.
Mas, nem por ser do mundo a derradeira,
Se lhe aventajam quantas Vénus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.
Foi pela exuberância vegetal que a Madeira venceu, na comparação de Camões, as ilhas gregas, componentes famosas da civilização helénica. O arvoredo da ilha é ainda hoje notável, mas algumas espécies características dos bosques de laurissilva tornaram-se raras, como o imponente barbusano (ou barbuzano), uma laurácea de copa arredondada e densa, que pode atingir os 25 metros de altura.
Apollonias barbujana (Cav.) Bornm.
Tivemos sorte por, em Dezembro, termos encontrado flores frescas, sendo elas mais dadas a surgir na Primavera. São minúsculas, esbranquiçadas ou verdes, mas as inflorescências em panícula são muito vistosas. Depois delas, vêm umas bagas com feitio de azeitona mas de pé longo, que amadurecem escuras. As folhas ovaladas e glabras, de um verde lustroso, exibem por vezes umas protuberâncias que lembram estruturas semelhantes nas pistácias ou os bugalhos dos carvalhos. No barbusano, estas verrugas são casinhas de insectos feitas de folha, onde eles se resguardam enquanto se alimentam de seiva sem, aparentemente, comprometerem a saúde geral e a sobrevivência da planta.
Endémica dos arquipélagos da Macaronésia (talvez extinta no Porto Santo), da Apollonias barbujana há registo, na ilha de Gomera, de uma segunda subespécie, com folhas mais largas e cuspidadas. O nome do género é dedicado à divindade Apolo, uma das mais intrigantes da mitologia grega: filho de Zeus, com uma irmã gémea (Artemis), é o ideal de beleza atlética e da juventude; reconhecido como deus da poesia e da música, além de ser um oráculo poderoso, tem como símbolo o loureiro ou, se quisermos, qualquer outra árvore da mesma família.
O género Apollonias inclui cerca de dez espécies de árvores e arbustos perenes, embora estudos recentes proponham que o género se limite a uma espécie, a que ocorre na Madeira e Canárias, sendo as outras transferidas para o género Beilschmiedia.
1 comentário :
Por acaso as folhas da árvore lembram as do loureiro.
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