15/05/2023

Trovisco peludo

O fascínio que quase todos sentimos pelos dinossauros deve-se, em parte, à diversidade notável de formas e hábitos nesta família de animais, mas é alimentado pelo terror que os fósseis denunciam e que os filmes sobre o tema muito bem exploram: de um tamanho medonho, com caudas, mandíbulas e dentes pavorosos, alguns dinossauros foram predadores tão poderosos que, se ainda existissem, muitos outros seres não teriam surgido na Terra. Curiosamente, a outra razão para o encanto dos dinossauros deve-se precisamente ao facto de, apesar de extintos, restarem da sua presença na Terra inúmeras provas. Ainda que tenham deixado de existir, a sua assinatura no passado pôde chegar até hoje e ser entendida pelos novos habitantes da Terra.

Vem este arrazoado a propósito da planta que hoje vos mostramos. Está extinta em Portugal: nunca terá sido abundante (havia apenas registo dela nas areias marítimas junto à foz do rio Guadiana, no Sotavento Algarvio), mas o certo é que, desde 1853, ninguém a avista nesse local, ou noutro qualquer do litoral português. Segundo os autores da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, o seu desaparecimento em solo nacional talvez se deva «às obras de regularização da foz do rio Guadiana e à expansão urbana da cidade de Faro, que poderão ter causado a destruição de indivíduos e profundas alterações no habitat». Por idêntica degradação do habitat, desapareceu também dos prados húmidos costeiros, entre o Minho e a Beira Litoral, a orquídea Epipactis palustris. No sudeste de Espanha, e mais geralmente na bacia do Mediterrâneo, a Thymelaea hirsuta é bastante frequente, e floresce no Inverno. Fomos, por isso, à procura dela em Dezembro na ilha de Maiorca.

Thymelaea hirsuta (L.) Endl.


O género Thymelaea abriga espécies arbustivas e subarbustivas, perenes (caso da T. hirsuta) ou anuais (como a T. passerina). As folhas são inteiras, por vezes densamente tomentosas. Segundo os botânicos, e ao contrário do que juraríamos ser verdade, as flores não têm pétalas. São apenas cálices tubulares amarelos (raramente rosados) com 4 lóbulos, protegidos por brácteas que parecem folhas, e que em algumas espécies se agrupam em espigas, noutras em cachos.

A T. hirsuta é peculiar na preparação para a época de floração. Apesar de ser uma espécie monóica, com flores unisexuais ou hermafroditas num mesmo indivíduo, podem encontrar-se, numa mesma população, exemplares cujas flores são quase todas masculinas e outros em que são quase todas femininas — como se afinal se tratasse de uma espécie dióica. Mas este desempenho vai mais longe: de ano para ano, ou até numa mesma temporada de floração, um indivíduo de T. hirsuta pode mudar a sua tendência sexual maioritária se isso beneficiar a polinização e, portanto, a produção de sementes, ou outro factor ambiental o justificar. Como deduzimos do caso português, todo este prodigioso labor florístico pode ser insuficiente para impedir a sua extinção.

1 comentário :

ZG disse...

Bela planta! Lembro-me de a ter visto no W da Sicília, à beira-mar!